Afinal, linhas de transmissão fazem parte da paisagem, assim como as antenas de rádio, televisão e celular. A paisagem doméstica é também repleta de emissores de radiações não ionizantes, como os eletrodomésticos em geral, incluindo o computador e o monitor no qual você esta lendo esta coluna, sem falar em nosso inseparável amigo e algoz, o celular.
Exposição constante
Todos os seres vivos evoluíram em um mundo com campos elétricos e magnéticos naturais de baixa intensidade e frequência, mas o tecnoambiente que criamos multiplicou as fontes emissoras, bem como sua potência. Hoje estamos todos expostos a uma mistura complexa de campos elétricos e magnéticos em muitas frequências diferentes em casa, no trabalho, no trajeto entre um e outro e na viagem de férias também.
Se é fato que essas radiações eletromagnéticas – produzidas em todos os aparelhos em que há passagem de corrente elétrica – não são ionizantes, o campo eletromagnético criado por elas gera um fluxo de corrente elétrica no corpo que pode interferir nas correntes elétricas que existem naturalmente no organismo e que são parte essencial das funções corporais normais. Todos os nervos, por exemplo, enviam sinais por meio da transmissão de impulsos elétricos. A maioria das reações bioquímicas também envolve processos elétricos.
Publicação da OMS que avalia os riscos à saúde humana associados aos campos eletromagnéticos. Clique no link ao lado para baixá-la.
Os eventuais riscos só começaram a ser levados a sério cerca de 30 anos atrás, quando passaram a ser objeto de estudos, inclusive sob patrocínio da Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa entidade publicou em 2002 o livro Estabelecendo um diálogo sobre riscos de campos eletromagnéticos, originalmente publicado em Inglês e traduzido para o português pelo Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (Cepel).
Campos eletromagnéticos e leucemia
Nesse documento, podemos ler o seguinte:
Usando a classificação padrão da Iarc que pondera as evidências humanas, animais e de laboratório, campos magnéticos ELF foram classificados como possivelmente carcinogênicos para humanos com base em estudos epidemiológicos de leucemia infantil.
Evidências para todos os outros tipos de câncer em crianças e adultos […] foram consideradas inadequadas para a mesma classificação devido a informações científicas insuficientes ou inconsistentes.”
Bem-vindo ao complexo mundo da epidemiologia e da comunicação de risco! E agora, atendo ou não atendo?
Linhas de alta tensão
Enterrar as linhas de alta tensão seria uma solução possível para minimizar o risco associado à exposição a campos eletromagnéticos (foto: Occupational Safety & Health Administration).
No caso das linhas de alta tensão, seus opositores argumentam que, face às incertezas, deveríamos usar o principio de precaução. Mas não é necessário optar entre banho frio e leucemia infantil. Há soluções que reduzem drasticamente a exposição aos campos eletromagnéticos, tal como enterrar as linhas de transmissão. De quebra, melhoraríamos a paisagem, que se veria livre dessas estruturas de alto valor pratico e de valor estético… hum, como dizer? … deixa pra lá.
Naturalmente, essa solução custa mais caro, mas é exatamente a opção que está sendo reivindicada à Eletropaulo por um bairro paulistano de classe média alta cruzado por uma importante linha de transmissão.
Uma pesquisa realizada em 2003 na França pelo Observatoire de l’Énergie concluiu que 62% da população estaria disposta a aceitar um ligeiro aumento do custo da energia elétrica para financiar a instalação de linhas subterrâneas, em substituição às familiares torres de metal que os temporais e os aviões fora de rumo teimam em derrubar, deixando milhões de pessoas sem energia, inclusive as vítimas da “possível carcinogenicidade”. Como num filme B.
Mas o tema foi objeto de debate público no senado francês em 2003 e, em 27 de junho de 2008, durante a Cúpula de Zaragoza, os governos de Espanha e França decidiram realizar uma conexão elétrica subterrânea em corrente contínua entre os dois países. Segundo as autoridades locais, a negociação relativa ao projeto “dará amplo espaço à expressão da população” e “se deterá sobre as opções de traçado e os aspectos ambientais e de saúde”.
No Brasil, o Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos, da OMS, tem como atores principais a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Pode apostar: você ainda vai ouvir sobre esse assunto. No celular, na TV, no rádio.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
20/03/2009