Viagem sem volta

Passar noites e, muitas vezes, dias seguidos ouvindo música eletrônica e dançando ao ar livre juntamente com centenas de pessoas é um costume que tem atraído cada vez mais jovens. Contudo, mesmo os mais aficionados por essas festas recorrem, muitas vezes, a algo que lhes dê um aporte extra de energia. 

O “combustível” para muitos desses jovens é um comprimido colorido conhecido como “a pílula do amor” ou ecstasy – palavra inglesa para arrebatamento, êxtase e transe místico. Contudo, essas denominações são enganosas, pois o uso dessa droga tem causado uma série de mortes e problemas de saúde para aqueles que insistem nessa viagem. 

ecstasy (também conhecido como XTC ou E) é a denominação popular de um dos membros de uma família de drogas relacionadas com a anfetamina (feniletilamina) e que se disseminou em festas rave que surgiram no rastro da popularização da dance music europeia a partir da década de 1980. 

Conhecida pelos químicos como 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), essa substância possui uma história mais longa do que a maioria das pessoas suspeita. Embora seja frequentemente citado como uma droga criada recentemente, o ecstasy foi de fato sintetizado no início do século 20, tendo sido patenteado nos Estados Unidos em 1914 pela indústria farmacêutica Merck. 

Devido ao parentesco bioquímico com as anfetaminas, a droga foi testada inicialmente como supressor de apetite, mas acabou não tendo seu uso licenciado. Após ter sido ignorado por quase 60 anos, oecstasy passou novamente a ser testado em estudos laboratoriais envolvendo animais na década de 1970, juntamente com alguns análogos da mescalina, um alucinógeno. 

Nessa época, ele também passou a ser empregado experimentalmente no tratamento de desordens psiquiátricas, substituindo o LSD empregado anteriormente nesses estudos. Voluntários desses experimentos relatavam que o ecstasy produzia “um estado alterado de consciência com implicações sensuais e emocionais”. 

Popularidade e morte 
Durante a década de 1980, o ecstasy tornou-se uma droga popular nos Estados Unidos e Europa – principalmente Espanha e Holanda –, sendo sintetizado ilicitamente por vários laboratórios. Como resultado dessa disseminação, as primeiras mortes relacionadas com o uso da droga foram relatadas nos Estados Unidos em 1987 e na Inglaterra em 1991. Foi somente após o aumento da ocorrência de mortes de usuários que essa substância ganhou notoriedade na imprensa e passou a ter seu tráfico e uso combatidos na maioria dos países. 

Porém, embora os efeitos agudos do consumo de ecstasy sejam atualmente frequentes, essa droga é considerada – de forma equivocada – por muitos como relativamente inofensiva, talvez por ser aparentemente menos danosa que a heroína, a cocaína, o crack ou o álcool.

Muitos usuários do ecstasy afirmam que as mortes associadas ao seu uso são acidentais e que teriam ocorrido, na verdade, devido à ingestão exagerada de álcool e outras drogas. Outra versão comum alega que esses “acidentes fatais” teriam ocorrido devido a contaminantes presentes nas pílulas. 

Porém, análises laboratoriais indicam que as fatalidades estão diretamente relacionadas aos efeitos da droga sobre usuários mais sensíveis ou devido a uma superdosagem, uma vez que os seus usuários consomem frequentemente 4-5 comprimidos em poucas horas. 

A eliminação de pequenas doses de ecstasy pode levar de 3 a 5 horas. Contudo, a ingestão de doses maiores (100-125 mg) pode aumentar a meia-vida dessa droga no organismo para até 8-9 horas e elevar suas concentrações plasmáticas de forma desproporcional. Assim, pequenos aumentos na dosagem consumida (a ingestão, por exemplo, de duas ou três pílulas, em vez de uma) podem causar um aumento dramático nas concentrações da droga e em seus efeitos tóxicos. 

Na última década, por exemplo, foram relatadas cerca de 200 mortes causadas por ecstasy somente na Inglaterra. Além disso, o uso dessa droga causa efeitos agudos e crônicos que podem levar ao surgimento de problemas neurotóxicos e a danos cerebrais irreversíveis. 

Aumento no consumo 
Análises conduzidas nos Estados Unidos e na Europa indicam que o consumo de ecstasy tem se expandido nos últimos anos. Estima-se que cerca de dois milhões de doses sejam ingeridas a cada semana e acredita-se que apenas no Reino Unido cerca de 4% dos adultos jovens (15-34 anos) tenham utilizado essa droga no último ano. 

Por outro lado, a repressão ao consumo tem se mostrado ineficiente – estima-se que as apreensões cubram menos que 10% da quantidade comercializada. Devido à oferta excessiva, os preços do ecstasysão relativamente baratos, contribuindo assim para a sua disseminação entre os usuários de drogas. 

Em alguns casos essa droga acaba se convertendo em uma iniciação para o uso de outras, como maconha, cocaína e álcool. Além disso, muitos dos usuários de ecstasy têm tendência a consumir outras drogas simultaneamente. Alguns usuários desenvolvem ainda tolerância a essa droga, necessitando de doses maiores para obter o mesmo efeito, um comportamento que claramente aumenta as chances de ocorrência de problemas futuros. 

Os efeitos farmacológicos e clínicos do ecstasy ainda são pouco compreendidos pela ciência. Sabe-se que essa droga possui efeito estimulante, como as outras anfetaminas e metanfetaminas. Contudo, parece que essa substância, embora não cause alucinações visuais ou auditivas, também apresenta alguns efeitos alucinógenos similares aos do LSD, associados principalmente com alterações na consciência. 

Usuários da droga afirmam sentir delírios e aumento na sua capacidade comunicativa e de interações sociais. Além disso, essas pessoas comumente associam o uso do ecstasy com melhorias em seu humor, aumentos na energia emocional, física e sexual e ausência de apetite. 

Ação sobre o organismo 

Animação de uma molécula de metilenodioximetanfetamina, nome técnico doecstasy (arte: Wikimedia Commons).

A principal ação farmacológica do ecstasy envolve a liberação de serotonina, um neurotransmissor associado com sensações de prazer. Entretanto, o uso da droga leva ao esgotamento dessa via metabólica e a um estado depressivo no dia seguinte ao consumo. 

Além disso, o uso prolongado causa a degeneração dos neurônios produtores desse mensageiro químico, fazendo com que os usuários dessa droga tenham que consumir doses cada vez maiores para obter os mesmos efeitos. Além disso, usuários constantes sofrem de problemas cognitivos como déficit de atenção e perda de memória, dificuldades de aprendizado e depressão. 

O uso de ecstasy estimula a liberação de outro neurotransmissor conhecido como dopamina, relacionado com aumentos nos batimentos cardíacos e na pressão sanguínea. A dopamina também está relacionada com aumento da cognição, atividade motora, aprendizagem, motivação, estímulo do sistema de recompensa cerebral e controle motor. Elevações nas concentrações desse neurotransmissor estão associadas com a ocorrência de algumas doenças como mal de Parkinson. 

Estudos nos quais foram administradas doses reduzidas de ecstasy a voluntários indicaram a ocorrência de elevações na pressão sanguínea, nos batimentos cardíacos e na temperatura corporal. Dilatações das pupilas (midríase), dores de cabeça, boca seca, insônia, espasmos e dores musculares, náuseas, perdas de concentração e sudorese também já foram descritas. 

No organismo, o ecstasy é convertido em compostos inativos excretados pela urina. Contudo, parte da droga consumida é transformada em compostos ativos como as quinonas, que podem causar danos cerebrais e hepáticos. 

As causas mais comuns de morte associada ao consumo de ecstasy são ataques cardíacos e suas complicações (por exemplo, desregulação do processo de termorregulação corporal), edema cerebral, diminuição da concentração de sódio (hiponatremia), distúrbios nos ritmos cardíacos, falhas do fígado e derrames cerebrais. 

Portanto, apesar de ainda não conhecermos a totalidade dos efeitos nocivos do ecstasy, já possuímos informações suficientes para afirmar que a famosa pílula colorida pode levar os seus usuários a uma viagem sem volta e que as consequências de sua ingestão podem ter implicações definitivas para a saúde de seus consumidores. 

Jerry Carvalho Borges 
Universidade do Estado de Minas Gerais 
06/03/2009

SUGESTÕES PARA LEITURA 
Berman,S., O’Neill,J., Fears,S., Bartzokis,G., and London,E.D. (2008). Abuse of amphetamines and structural abnormalities in the brain. Ann. N. Y. Acad. Sci.1141, 195-220. 
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Karlsen,S.N., Spigset,O., and Slordal,L. (2008). The dark side of ecstasy: neuropsychiatric symptoms after exposure to 3,4-methylenedioxymethamphetamine. Basic Clin. Pharmacol. Toxicol. 102, 15-24. 
Guillot,C. (2007). Is recreational ecstasy (MDMA) use associated with higher levels of depressive symptoms? J. Psychoactive Drugs 39, 31-39. 
El Mallakh,R.S. and Abraham,H.D. (2007). MDMA (Ecstasy). Ann. Clin. Psychiatry 19, 45-52. 
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Festa rave na região metropolitana de Belo Horizonte. O consumo de ecstasy se disseminou em festas desse tipo na Europa a partir dos anos 1980 (foto: Cid Costa Neto).