Como fisgar o leitor?

‘Filogenia de besouros aquáticos esclarece corrida evolutiva entre gêneros’. ‘Epidemia do vírus influenza pode ser prevenida por vacinação voluntária?’ Essas duas frases são títulos de artigos científicos. Mas qual delas é mais eficaz em conduzir à leitura do texto?

Segundo um estudo iraniano, títulos com perguntas, que apelam para a curiosidade dos leitores, são os mais acessados – o que não resulta, no entanto, em maior quantidade de citações dos trabalhos em novas publicações.

O estudo analisou mais de dois mil títulos de artigos científicos publicados em seis periódicos da Public Library of Science (PLoS) em 2007. Os resultados foram publicados na revista Scientometrics no início deste ano.

Um título ideal deve ser curto, informativo e atraente

Os pesquisadores ressaltam que os títulos são importantes principalmente quando se utilizam ferramentas de busca em catálogos, bibliotecas e bancos de dados on-line para encontrar artigos de interesse. Como vitrines do artigo, são eles que primeiro fisgam o leitor para o texto.

Segundo os cientistas, um título ideal deve ser curto, informativo e atraente. No entanto, a maioria dos autores não segue essas três premissas e falha na escolha dos enunciados.

Para realizar a pesquisa, os cientistas iranianos classificaram os títulos em três grupos: declarativos, descritivos e interrogativos. Os títulos declarativos – como o usado na abertura desta matéria – são os que trazem as principais conclusões do artigo e permitem aos usuários compreender o conteúdo do trabalho sem precisar consultá-lo na íntegra.

Já os descritivos apresentam o assunto que será tratado ao longo do artigo de forma ampla e sucinta, como em ‘Partes, todo e contexto na leitura: uma tripla dissociação’. Os títulos interrogativos são os que, como o próprio nome indica, trazem uma pergunta.

Acessos e citações

Em seguida, os títulos foram associados ao número de downloads e citações dos artigos feitos entre sua data de publicação e outubro de 2010. Essas informações foram extraídas de um banco de dados on-line chamado Scorpus, que mostra a quantidade de acessos e de citações de todos os artigos publicados nos diversos periódicos científicos do mundo.

Um dos autores do estudo, Hamid Jamali, da Universidade Tarbiat Moallem (Irã), pondera que os acessos podem ser feitos por qualquer um, desde estudantes de graduação que desejam estudar para disciplinas a pacientes que buscam desesperadamente por informações sobre suas doenças. “Citações são feitas apenas por autores de novas publicações”, completa.

Os títulos declarativos – geralmente recomendados no meio acadêmico – foram os menos acessados e citados

A pesquisa mostrou que os artigos mais acessados são os que têm títulos interrogativos. No entanto, eles são os menos usados: apareceram em apenas 45 dos mais de dois mil artigos analisados. Essa capacidade de atrair o leitor também não se reverte em uma quantidade proporcional de citações em novas publicações.

Em segundo lugar no número de downloads, estão os títulos descritivos, os mais usados nos artigos (1.440, no total) e os mais citados.

Os títulos declarativos – geralmente recomendados no meio acadêmico – apareceram em 660 artigos e foram os menos acessados e citados. Segundo Jamali, esses efeitos negativos são decorrentes da extensão dos títulos declarativos – normalmente mais longos que os demais – e do fato de eles já apresentarem ao leitor as principais conclusões do artigo sem a necessidade de acessar o texto.

Produção a todo custo

Embora pouco usados nos artigos analisados, os títulos interrogativos têm aparecido com mais frequência no meio acadêmico. Esse aumento foi verificado por um estudo alemão publicado em 2009 que analisou aproximadamente 20 milhões de títulos de artigos da área de física, ciências naturais e medicina publicados entre 1966 e 2005.

Segundo Jamali, o uso de títulos com perguntas em textos científicos teria crescido como estratégia de marketing, em resposta a um quadro de estímulo à produção acadêmica.

Folhas empilhadas
A produção de artigos científicos cresce mais a cada ano e está associada a um dos critérios de avaliação de pesquisadores: mais vale a quantidade de trabalhos publicados do que a qualidade. (foto: Joel Penner/ CC BY 2.0)

Nas últimas duas décadas, o critério de avaliação de pesquisadores e núcleos de pesquisa se transformou – em parte, devido à proliferação de universidades e institutos de pesquisa no Brasil e no mundo. O novo critério valoriza a quantidade – em oposição à qualidade – de trabalhos produzidos e citados pelos pares em revistas bem conceituadas.

Nesse novo cenário, a produção acadêmica foi ‘às alturas’. Em 1970, no banco de dados Science Citation Index, estavam depositados apenas 300 mil artigos; em 1980, esse número chegou a 500 mil. Na década de 1990, o banco começou a receber cerca de 700 mil artigos por ano.

O estudo alemão ressalta que a qualidade das publicações acadêmicas e seus aspectos formais estão se transformando. Muitos cientistas estariam sucumbindo à pressão da mentalidade ‘publish or perish’ (publicar ou perecer, em português), uma vez que a alocação de recursos para pesquisa é guiada pelo perfil de produção do pesquisador.

Gabriela Reznik
Ciência Hoje On-line