Contador de dinheiro

Imagine que você não enxerga. Como você contaria o dinheiro de sua carteira? Identificar as moedas seria fácil, já que elas são diferentes em peso e forma. Mas, como as cédulas de real são todas do mesmo tamanho, é impossível identificá-las apenas pelo tato. Diante do problema, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) resolveram desenvolver o primeiro contador de cédulas portátil do Brasil – uma mão na roda para deficientes visuais.

A ideia foi dos estudantes Ricardo Cruz e Walter Godefroid, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPR. “Queríamos que o nosso trabalho de conclusão de curso fosse algo útil”, disse Cruz. “Decidimos procurar o Instituto Paranaense de Cegos para saber quais as principais demandas desses deficientes”, conta Godefroid. Entre as muitas dificuldades que os cegos enfrentam diariamente, uma delas é contar o seu dinheiro. Os estudantes decidiram então criar um contador de cédulas portátil.

“O processo todo leva menos de um segundo”, comemoram os pesquisadores

É uma espécie de minicomputador equipado com um programa. Assim que inserimos uma cédula no aparelho, ele imediatamente faz uma leitura óptica do papel e emite um sinal de áudio, informando, em alto e bom som, qual o valor da nota. “O processo todo leva menos de um segundo”, comemoram os pesquisadores. Segundo eles, a nota que deu mais trabalho foi a de R$ 5. Por algum motivo, o leitor tinha dificuldade para identificá-la. Mas o problema já foi resolvido.

Iniciativas semelhantes

O orientador do trabalho, Marlio Bonfim, conta que a Universidade Positivo, de Curitiba, já havia desenvolvido um aparelho com a mesma função. “Mas o dispositivo era grande e pesado”, lembra o engenheiro. “Além disso, ele demorava de 10 a 15 segundos para fazer cada leitura.” Segundo Bonfim, era um sistema pouquíssimo prático e nada portátil, com utilidade limitada para as reais necessidades de deficientes visuais.

Nos Estados Unidos e no Canadá já existe um leitor de cédulas. A empresa responsável pelo aparato é a Maxi Aids, que comercializa versões para dólares americanos e canadenses. “Por lá a ideia parece funcionar muito bem. Tanto que o Banco Central do Canadá compra e distribui para todos os deficientes visuais do país”, contam os pesquisadores. “O problema é que o equipamento custa cerca de US$ 300; o nosso sai por menos de R$ 80!”

Na Austrália também foi desenvolvido um sistema semelhante, na Curtin University Centre for Accessible Technology. Mas, como o da Universidade Positivo, ele também demora muito para ler as notas. A solução encontrada pelo governo australiano foi desenvolver pequenas cartelas de plástico, que servem de baliza tátil para que os deficientes visuais identifiquem as notas com facilidade. Elas funcionam bem e são distribuídas gratuitamente em todo o país.

Leitor portátil de cédulas
Placa do leitor portátil de cédulas de real desenvolvido no Departamento de Engenharia Elétrica da UFPR. O equipamento funciona com o mesmo tipo de bateria recarregável usada em telefones celulares e tem autonomia de três a quatro dias (foto: Ricardo R.W. Cruz).

Futuro

O projeto do novo leitor de cédulas da UFPR começou a ser desenvolvido em agosto de 2009. “Atingimos 90% em precisão de leitura. Mas queremos chegar a pelo menos 95%”, prevê Godefroid, lembrando que o leitor de cédulas da Austrália também tem precisão de 90% (já a precisão do leitor fabricado nos Estados Unidos, ninguém sabe, uma vez que a empresa responsável por sua fabricação nunca divulgou esse dado).

O dispositivo brasileiro já está pronto para funcionar. Mas e quando as cédulas de real mudarem? Segundo o Banco Central, a data limite para a mudança completa é 2012. O que será então do novo aparelho, projetado para ler as notas atuais? Isso não preocupa os jovens pesquisadores. “Basta reprogramar os padrões de leitura, o que é relativamente fácil.”

Os pesquisadores querem liberar na internet o código do software e o esquema de montagem do dispositivo

A ideia dos pesquisadores é liberar na internet tanto o código do software quanto o esquema de montagem do dispositivo. Assim, qualquer pessoa com certo conhecimento de eletrônica poderá fabricar o leitor de cédulas em casa. “Não temos toda aquela preocupação comercial”, enfatiza Cruz. “Queremos apenas que o nosso trabalho seja útil para a sociedade.” Apesar disso, a UFPR já se tornou responsável pela administração da patente, para evitar eventuais cópias ou apropriações indevidas da ideia.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem 45 milhões de cegos no mundo. No Brasil, o número de portadores de algum tipo de deficiência visual é de 3,5 milhões. Embora numerosos, suas demandas ainda são pouco atendidas.

Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR