Cortisol absolvido?

Parece contraditório: cada vez mais, o exercício aparece como promotor do bem-estar e da saúde, mas, ao mesmo tempo, um treino muito intenso pode gerar um mau humor danado – temporário, felizmente. Atribuído inicialmente às variações no nível de cortisol no sangue, esse mau humor estaria, na verdade, relacionado à exaustão gerada pelo exercício físico de alta intensidade, de acordo com pesquisa realizada em uma universidade paulista.

O trabalho, realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), testou a concentração de cortisol no sangue de jovens que se submeteram a sessões de exercícios de diferentes intensidades. “Já conhecíamos, de pesquisas anteriores, uma possível associação entre esse hormônio e a variação de humor no ser humano”, conta o educador físico Rafael Chagas Miranda, pesquisador da Unifesp e um dos autores do estudo. Para tirar a prova, os cientistas verificaram, em jovens fisicamente ativos, o estado de humor e os níveis de cortisol antes e após a prática de exercícios.

Os participantes foram divididos em três grupos. O primeiro executava 30 minutos de pedalada moderada; o segundo, três a quatro minutos de pedalada contínua na intensidade máxima, até atingir a exaustão física; e o terceiro, dez a 12 minutos em intensidade máxima, porém, executada de forma intervalada, com picos de esforço de 30 segundos, seguidos por 30 segundos de pedalada leve como recuperação. O estado de humor dos participantes foi avaliado por meio de questionários, antes e após o exercício físico.

Enquanto as alterações de humor foram imediatas, as alterações no nível de cortisol só ocorreram 30 minutos depois do fim da atividade, o que sugere que o cortisol não estaria relacionado ao mau humor pós-treino

Os resultados, apresentados na Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), ocorrida em setembro na cidade de São Paulo, indicam que o estado de humor após realizar o exercício físico parece não estar diretamente ligado às concentrações de cortisol no sangue, e sim à exaustão física, que Miranda define como aquele momento em que uma pessoa não consegue mais contrair os músculos e, portanto, não tem condições de continuar o exercício. 

A atividade física intensa, sem intervalos e executada até a exaustão – realizada pelo segundo grupo do estudo –, levou a uma piora do humor, assim como aumentou os níveis de ansiedade dos jovens. Este também foi o único grupo participante da pesquisa que apresentou aumento nas concentrações de cortisol no sangue após a sessão de exercício. Porém, enquanto as alterações de humor foram imediatas, as alterações no nível de cortisol só ocorreram 30 minutos depois do fim da atividade, o que sugere que o cortisol não estaria relacionado ao mau humor pós-treino.

Já os exercícios moderado e intenso intervalado – primeiro e terceiro grupos – resultaram em manutenção de bom estado de humor dos jovens participantes, assim como das taxas de cortisol no sangue.

“Um músculo sob estado de fadiga gera modificações comportamentais que são inicialmente positivas, pois funcionam como alerta ao organismo [de que se deve parar o exercício]. Mas, quando se atinge um grau extremo dessa fadiga, há uma modificação temporária nas sensações e emoções que exige um tempo de recuperação física e emocional para próxima sessão”, explica Rafael.

Prática de exercícios e bom humor
Para manter o bom humor, o ideal é intercalar picos de esforço e exercícios mais leves, ajudando o corpo a descansar. (foto: Universidad Europea de Madrid / Flicr / CC BY-NC-ND 2.0)

Para o especialista, é importante manter um equilíbrio na hora das atividades físicas, mesmo aquelas de alta intensidade. “Uma possibilidade é executar exercícios de alta intensidade de forma intervalada, incluindo breves períodos de descanso, assim como alternar dias de treino intensos com dias leves, preservando o bom estado de humor, uma vez que o humor é um indicador importante da nossa saúde mental”, aconselha.

A química do exercício

Durante a prática de atividades físicas, o corpo humano intensifica as interações entre suas diversas partes (órgãos, tecidos, músculos etc.) e produz uma série de substâncias, entre as quais estão os opioides – ligados à sensação de prazer após o exercício – e o cortisol, conhecido como o “hormônio do estresse”. 

“Fazer exercício físico é um tipo de estresse, pois altera nosso estado de equilíbrio. Seus benefícios não são imediatos, e é preciso tomar cuidado com essa ideia simplista de que a atividade física atua como mágica: durante a prática de exercícios, sentimos irritação e dor, e isso faz parte do processo”, pondera Gustavo Casimiro Lopes, pesquisador no Departamento de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mas também não é justo, segundo o especialista, tratar o cortisol apenas como “hormônio do estresse”. “Essa substância desempenha funções importantes para o correto funcionamento do nosso organismo, como, por exemplo, auxiliar no processo de obtenção de energia a partir do glicogênio”, enfatiza.

 

Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ