Da diversão à promoção da saúde

Pode parecer difícil de acreditar, mas a cidade do Rio de Janeiro já foi palco de movimentadas competições de críquete e até de touradas. Tudo isso em meados do século 19, quando a capital imperial vivia mudanças profundas que colaboraram para o surgimento de diversas práticas esportivas. Ao estudar este período da história da cidade, Victor Andrade de Melo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou detalhes importantes sobre a relação entre o cotidiano dos cariocas e os esportes nos tempos do Império.

O estudo, publicado na revista de história Tempo e no periódico de educação física Movimento, destaca mudanças na economia como um dos grandes motivos que permitiram a prática de esportes na Cidade Maravilhosa. “Com o aumento da circulação financeira, ela ficou aliada a um novo trânsito cultural”, explica Andrade. “Assim, o entretenimento acabou se tornando um novo e poderoso foco econômico: a dança, o teatro e o nosso querido esporte”, completa.

Entre as primeiras práticas que ficaram populares no Rio estavam as corridas a cavalo, que motivaram a criação da primeira congregação oficial de esportes do Brasil, em 1849: o Clube das Corridas. “Era um lugar de apostas, muito frequentado por todos os setores da sociedade carioca”, comenta o historiador. Ele conta que o Rio chegou a ter cinco hipódromos ao mesmo tempo, tamanha a popularidade do esporte.

O gosto pelas corridas a cavalo chegou ao Rio com os imigrantes britânicos que acompanhavam a família real portuguesa durante sua estadia em terras brasileiras. Eles buscavam recriar atividades comuns em sua terra natal. “O críquete, esporte que usa bola e tacos, também era muito querido na Inglaterra e animou os brasileiros”, conta o pesquisador.

Touradas eram comuns no Rio de Janeiro
Anúncio de touradas, publicado no jornal ‘Gazeta de Notícias’ em 1877. (foto cedida pelo autor)

Por incrível que pareça, as touradas também eram comuns – muitas arenas, que levavam o povo à loucura durante as competições, ficavam em locais que hoje são pontos turísticos dos cariocas, como o Campo de Santana, no centro da cidade. Essa prática foi trazida pelos portugueses e acabou banida em 1907, quando foi considerada ‘indigna’ de ser um esporte.

 

Questão de saúde

Apesar de hoje estar fortemente ligado à promoção da saúde, na época do Império, o esporte era mais relacionado ao mercado do entretenimento ou até às forças armadas – o remo, por exemplo, era visto como meio de desenvolvimento da marinha nacional. A saúde ficou em segundo plano até o final do século 19, quando alguns intelectuais passaram a promover as atividades físicas como essenciais no cultivo de hábitos saudáveis.

Algumas revistas da época começaram, então, promover a prática de esportes no dia a dia. Inicialmente, a modalidade mais valorizada era a ginástica, vista como aliada nos cuidados com o corpo. Em um segundo momento, outras atividades, como o remo e a patinação, foram incluídas no rol de práticas benéficas à saúde.

 

Paixão nacional

Mesmo dirigidas pelas classes mais altas da sociedade brasileira naquele momento, as competições esportivas eram abertas ao público. “As competições de remo, que também foram um marco no surgimento do esporte, eram sempre frequentadas por todas as parcelas da população, que tinha paixão por torcer”, destaca Andrade.

Remo na praia
Sócios do Clube de Natação e Regatas nadando e remando na praia de Santa Luzia, em foto da revista ‘Careta’, de 21 de dezembro de 1912. (foto cedida pelo autor)

A paixão saiu das arquibancadas e entrou em campo no início do século 20, quando descendentes de britânicos trouxeram o futebol na tentativa de popularizar ainda mais a prática de esportes. “Naquela época, era barato assistir a partidas e competições, mas era caro competir”, conta o historiador. “No entanto, nada mais fácil do que arranjar uma bola e algumas pessoas com boa vontade chutar, não é mesmo? Foi por isso que o amor pelo futebol se espalhou tão rápido”.

Entre as elites e as classes populares, a história do desenvolvimento do esporte no Rio de Janeiro pode dizer muito sobre as relações sociais e culturais na cidade em um período marcado pela passagem do Império à República. “O esporte é uma das manifestações culturais mais universais que existem, já que atinge um grande conjunto da população”, pontua Andrade.

O sociólogo Ronaldo Helal, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, concorda. “Do ponto de vista sociológico, nada melhor do que tratar de aspectos históricos usando elementos da cultura, como é o caso do esporte”, afirma, destacando a abrangência como um dos maiores méritos da pesquisa da UFRJ. “O trabalho de Andrade é uma referência no assunto, já que trata não só dos esportes da elite, mas também daqueles mais populares”.

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Valentina Leite
Instituto Ciência Hoje / RJ