Descobertas e sumiços

Um recente estudo feito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) mapeou as espécies de mamíferos de médio e grande porte que já foram registradas em parte do Nordeste do país. A análise dos animais terrestres encontrados na caatinga e na mata atlântica nordestina revelou duas novas espécies.

Feito durante o mestrado em zoologia do biólogo Anderson Feijó, o trabalho examinou 652 animais guardados e catalogados em museus de universidades. “Contabilizei os mamíferos depositados nos museus da Universidade Federal da Paraíba, da Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo, por serem as maiores coleções com representantes do Nordeste”, conta o pesquisador.

Foram identificadas 40 espécies diferentes de mamíferos de médio e grande porte naturais do Nordeste

O biólogo também olhou para a literatura científica relacionada aos estados de Alagoas, Ceará, Pernambuco e Paraíba, em busca dos locais de ocorrência e dos nomes populares de cada animal já registrado. No total, ele foi capaz de identificar 40 espécies diferentes de mamíferos de médio e grande porte naturais do Nordeste. 

O sagui, a raposinha e o guaxinim estão entre os animais mais abundantes na região. Já a onça-pintada, o tatu-bola e o tamanduá-bandeira estão extintos em diversos locais desses quatro estados analisados e só podem ser encontrados nos acervos dos museus. 

“O tatu-bola, uma espécie restrita ao Brasil, não é mais encontrado em algumas regiões, como o estado da Paraíba e o Araripe cearense”, conta o pesquisador. “Como ele se enrola em vez de correr dos caçadores, é facilmente capturado, o que aumenta seu risco de extinção.”

Tatu-bola
O estudo mostrou que o tatu-bola-da-caatinga (‘Tolypeutes tricinctus’), espécie própria do Brasil, já não é mais encontrado em alguns estados nordestinos. (foto: Wikimedia Commons/ Ltshears – CC BY-SA 3.0)

Feijó ressalta, no entanto, que algumas espécies para as quais não foram encontrados registros dentro dos estados estudados foram observadas em regiões muito próximas. “Há registros recentes de onça-pintada na Bahia e no Piauí, então é possível que haja espécimes em Pernambuco e Alagoas, mesmo que não tenham sido encontrados nas coleções dos museus”, comenta.

O trabalho foi o primeiro a analisar a distribuição e taxonomia dos mamíferos de médio e grande porte nesses estados. O biólogo acredita que o estudo é um pontapé inicial para organizar novas coletas. “Nossos resultados servirão de base para propor pesquisas em locais ainda não explorados”, diz.

Novidades no pedaço

A surpresa da pesquisa foi a descrição da cutia-de-garupa-laranja da mata atlântica como uma espécie independente e a identificação de uma nova espécie de porco-espinho.

Até então, acreditava-se que só havia uma espécie de porco-espinho no estado do Ceará, o Coendou prehensilis. Mas, durante a análise de crânios de porcos-espinhos da coleção do museu da UFPB, Feijó percebeu um diferente dos demais. “Ele era um pouco mais arredondado na região dos nasais”, conta. “Achei que se tratava de uma nova espécie, mas com um único crânio não dava para ter certeza”. 

A suspeita foi confirmada quando, no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o pesquisador encontrou outro crânio com as mesmas características, mas classificado como outra espécie. O animal em questão tinha sido coletado na Serra de Baturité, no Ceará.

“Atualmente, estamos à procura de novos locais onde esse porco-espinho possa ocorrer para ampliar o nosso conhecimento sobre a distribuição dessa nova espécie”, afirma o pesquisador. 

Cutia
Ilustração da cutia-de-garupa-laranja descrita pelos pesquisadores da UFPB. A nova espécie, batizada de ‘Dasyprocta iacki’ e presente na mata atlântica dos estados da Paraíba e de Pernambuco, foi nos últimos anos confundida com a cutia ‘Dasyprocta leporina’, natural da Amazônia. (ilustração: Roy Baethe)

A descrição da cutia-de-garupa-laranja, também da coleção da UFPB, veio desfazer outra confusão. A espécie já era conhecida e havia sido descrita e batizada de Dasyprocta aguti em um trabalho científico de 1766. Mas sofreu o que os biólogos chamam de problemática taxonômica. 

“Outro estudo, feito em 2001, atribuiu erroneamente o nome científico dessa cutia nordestina a uma segunda espécie de cutia existente na Amazônia por causa da semelhança entre as duas”, diz Feijó. “Isso aconteceu porque o primeiro trabalho não especificava a localização do animal, que vive na mata atlântica nordestina. Assim, acreditou-se que se tratava de uma única espécie”, explica.

Depois que o pesquisador mostrou se tratarem de duas espécies diferentes, a cutia amazonense ficou com o nome de Dasyprocta leoprina e a nordestina, que já é velha conhecida dos moradores da região, recebeu outro nome científico: Dasyprocta iacki. 

 

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Camille Dornelles
Especial para CH On-line

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