Diagnóstico da leptospirose em minutos

A identificação precoce da leptospirose é fundamental para aumentar as chances de cura dos pacientes, que em grande parte pertencem à população pobre, tanto do meio rural como da periferia das cidades. A doença mata 15% das pessoas infectadas e, quando acompanhada de hemorragia pulmonar, a estimativa de mortes sobe para 40%. Preocupados com esses dados, pesquisadores do Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz (CPqGM), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, desenvolveram um teste simples e rápido que pode ser usado pelos próprios médicos em postos de saúde, tornando-se uma ferramenta essencial para identificar a leptospirose em seus primeiros estágios de desenvolvimento e permitir que muitas vidas sejam salvas.

Com o novo método, desenvolvido no Laboratório de Patologia e Biologia Molecular do CPqGM/Fiocruz, em colaboração com as universidades norte-americanas Cornell e da Califórnia, apenas uma gota de sangue do paciente é suficiente para confirmar a suspeita de leptospirose. Extraído do dedo do indivíduo, o sangue é depositado em um pequeno aparelho, onde se aplica uma solução reveladora. Se a coloração ficar rosa, significa que há infecção pela Leptospira interrogans , bactéria causadora da doença. “O resultado fica pronto com a mesma velocidade de um teste de gravidez comprado na farmácia”, compara o médico e pesquisador Mitermayer Reis, um dos coordenadores do projeto, juntamente com Albert Ko, professor da Universidade Cornell e pesquisador-visitante da Fiocruz na Bahia.

Com uma só gota de sangue do paciente, o novo teste detecta em minutos a leptospirose. O resultado positivo é representado pela coloração rosa. (Fotos: Ascom/Fiocruz)

Testes comuns para o diagnóstico da leptospirose, como o da aglutinação, levam muito mais tempo para ficarem prontos, o que pode custar a vida do paciente. “Os testes tradicionais exigem duas análises do soro, uma na fase inicial e outra na fase intermediária da doença, o que faz com que demorem até duas semanas para apontar um diagnóstico”, explica Reis.

Sintomas que enganam
De acordo com o médico, os pacientes costumam chegar aos postos e hospitais reclamando de febre, dores musculares e de cabeça e vermelhidão nos olhos, sintomas muito comuns em casos de dengue. “Resolvemos dar início ao estudo após uma epidemia muito grande de dengue que ocorreu na Bahia em 1996, pois, como o sistema de saúde não tinha um teste para diagnosticar leptospirose, os médicos pensavam que os pacientes estavam com dengue e os mandavam para casa”, explica Reis. No mesmo ano, também foram registrados 303 casos de leptospirose em Salvador (BA). 

O perigo da leptospirose
A leptospirose, que era famosa no meio rural por atingir principalmente bois, cavalos, porcos, cabras e ovelhas, tornou-se uma ameaça para a população que vive em regiões precárias das grandes metrópoles, devido à falta de saneamento básico. Segundo dados da Fiocruz, 75% dos ratos de esgoto estão infectados em Salvador (BA) e são transmissores em potencial da leptospirose.
A cura do paciente que sofre de leptospirose em níveis avançados é complexa. O tratamento comum usa penicilina, antibiótico para conter a proliferação da bactéria. O avanço da doença inclui hemorragias pulmonares e insuficiência renal, que pode ser compensada por diálise peritoneal (processo de depuração do sangue em que o líquido é inserido na cavidade abdominal para que seja filtrado por uma membrana chamada peritônio) ou hemodiálise, um procedimento caro e, muitas vezes, inacessível à população carente que adquire a doença.
O diagnóstico rápido vai ajudar a reduzir os custos hospitalares e as mortes causadas pela leptospirose. Segundo dados do Ministério da Saúde, são notificados mais de 3 mil casos da doença por ano no país e São Paulo é o estado com maior número de registros.Após 11 anos de estudo, os pesquisadores descobriram, a partir do soro obtido do sangue de pacientes de dois hospitais baianos, a proteína Lig, produzida por um gene da bactéria L. interrogans . “Através da análise do patrimônio genético da L. interrogans disponível na literatura científica, pudemos identificar o gene que produz a proteína Lig”, esclarece Reis. Em seguida, a equipe realizou experimentos que mostraram que a proteína é o antígeno da leptospirose, ou seja, o elemento que ativa a produção no paciente de anticorpos específicos na fase inicial da doença.

A proteína foi produzida in vitro pela equipe do CPqGM, em parceria com Biomanguinhos, unidade da Fiocruz no Rio de Janeiro, e acrescentada à solução usada no novo teste. Quando o sangue entra em contato a fita do teste, ocorre a reação do anticorpo presente no sangue com o antígeno da fita, o que faz surgir uma faixa rosa que significa positivo. Quando o paciente não tem leptospirose, essa reação não ocorre, pois ele não tem os anticorpos específicos da doença.

Segundo Reis, os testes para a validação do método estão sendo realizados em laboratórios da Fiocruz e das universidades federais do Ceará e do Rio Grande do Norte. “Os primeiros testes deverão estar disponíveis na rede pública de saúde até meados de 2008”, prevê.

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
24/09/2007