Direito autoral em debate

 

As novas tecnologias revolucionaram as formas de transmissão e circulação do conhecimento. No entanto, a legislação que regulamenta a proteção à propriedade intelectual ficou defasada e não reflete esses avanços tecnológicos. A discussão sobre como a tecnologia afeta o direito autoral e a própria noção de autor tem mobilizado artistas, juristas e pesquisadores. Dois reflexos desse interesse são o lançamento do livro Propriedade intelectual – tensões entre o capital e a sociedade e a realização do Fórum Nacional de Direito Autoral.

Promovido pelo Ministério da Cultura, esse fórum foi lançado com um dia de debates no início do mês no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro. Ao longo de 2008, o Fórum deve promover uma série de oficinas e seminários com o objetivo de orientar as políticas públicas do Brasil nesse setor. Esses eventos contarão com a participação de especialistas de diversas áreas que discutirão o futuro do direito autoral no país.

A julgar pela opinião dos especialistas reunidos no lançamento do Fórum, é preciso rever com urgência a Lei de Direitos Autorais, de 1998. Embora tenha menos de dez anos, essa lei tem se mostrado inadequada à nova realidade. Ela proíbe, por exemplo, que o consumidor que tenha comprado um CD faça uma cópia do disco para seu próprio tocador de MP3, ainda que para uso privado. Também está fora da lei o estudante universitário que copia um capítulo de livro para uso didático.

“A lei não conseguiu dar conta da complexidade dos problemas vinculados ao surgimento da internet e do ambiente digital”, afirmou o ministro Gilberto Gil no discurso que abriu o fórum. “Apesar de ser uma conquista histórica, ficaram velhos problemas e desequilíbrios somados a novos desafios.”

A discussão desses desafios é justamente o objetivo dos eventos organizados no âmbito do Fórum Nacional de Direito Autoral, que devem culminar em sugestões para uma reformulação da lei. Entre eles, um dos mais complexos é a busca de um equilíbrio entre a proteção aos direitos dos criadores e o direito da população de acesso à informação e à cultura. “Este é um equilíbrio delicado e difícil de alcançar, mas não impossível”, avalia Gilberto Gil. “Torná-lo possível é a nossa tarefa.”

O debate na academia
O debate sobre a redefinição dos direitos autorais tem movimentado também a academia, como indica o lançamento recente do livro Propriedade intelectual – tensões entre o capital e a sociedade. O volume reúne contribuições de pesquisadores de áreas variadas, da economia à filosofia, passando pelo direito e pela sociologia. Os artigos foram originalmente apresentados em um seminário sobre o tema promovido pelo Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais.

A dificuldade que a regulação da propriedade intelectual tem para se adequar às novas formas de circulação da informação e às práticas sociais criadas com a internet é um dos temas centrais. “Os hábitos do consumidor transformaram-se e, rapidamente, estão cada vez mais ficando fora do alcance do sistema de proteção dos direitos autorais”, diagnosticam Marilena Lazzarini, Daniela Trettel e Luiz Fernando Moncau em um dos ensaios do livro. “Por não abrigar os novos hábitos e a realidade trazida pelas novas tecnologias, a lei acaba empurrando para a ilegalidade condutas amplamente aceitas na sociedade.”

Alguns artigos do volume discutem a questão do direito autoral à luz do pensamento de grandes nomes das ciências sociais. O texto de Olgária Matos, por exemplo, é construído a partir do conceito de função-autor, proposto pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), e da noção de reprodutibilidade técnica das obras de arte, discutida em um célebre ensaio do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940).

Outras dimensões da discussão sobre propriedade intelectual também são tratadas no livro. Gilberto Dupas discute em seu artigo a legitimidade de se patentear material genético; o conflito entre a proteção à propriedade intelectual e o direito ao acesso a medicamentos é o tema do ensaio de Alexandre Grangeiro e Paulo Roberto Teixeira.

Os ensaios de Propriedade intelectual – tensões entre o capital e a sociedade montam um panorama plural de pontos de vista sobre um tema atual e de grande interesse público. Sua leitura oferece ao cidadão fundamentos conceituais para participar de um debate que, longe de estar esgotado, deve motivar ainda muito barulho até que se chegue a um equilíbrio entre legislação e práticas sociais. 

Propriedade intelectual: tensões entre
o capital e a sociedade
  
Fábio Villares (Org.)
São Paulo, 2007, Paz e Terra 
Tel.: (11) 3337-8399
336 páginas – R$ 30,00

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
18/12/2007