Dois de uma vez

Nos últimos anos, avanços na neurociência e na engenharia têm tornado possível o desenvolvimento de próteses controladas pelo pensamento. Um novo estudo de um pesquisador brasileiro em conjunto com norte-americanos e suíços dá um passo adiante e demonstra pela primeira vez a possibilidade de controlar dois membros artificiais simultaneamente somente com a atividade cerebral.

O novo estudo demonstra pela primeira vez a possibilidade de controlar dois membros artificiais simultaneamente somente com a atividade cerebral

Quem mostrou o feito na prática foram macacos-rhesus com eletrodos implantados no cérebro. Os animais foram colocados diante de uma tela que exibia dois braços virtuais em perspectiva de primeira pessoa. Na mesma tela, apareciam círculos e quadrados que os animais foram treinados (em troca de um suco de fruta) a ‘tocar’ com ambos os braços virtuais.

Em uma primeira etapa, os macacos controlaram os braços virtuais com um joystick. Depois de duas semanas, mais familiarizados com a tarefa, seus braços foram presos e eles passaram a controlar a animação apenas com o pensamento.

O sinal cerebral relacionado ao movimento dos braços, ativado em mais de 500 neurônios, era captado pelos eletrodos, decodificado por um computador e transmitido para o programa de simulação para que o movimento se desse de acordo com o imaginado.

Confira um vídeo da experiência

Até então, diversas experiências semelhantes já haviam demonstrado o controle de uma prótese ou membro virtual pelo cérebro, uma delas, inclusive, conduzida pelo neurocientista brasileiro envolvido no estudo atual, Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal. Mas movimentar mais de um membro ao mesmo tempo era uma façanha inédita.

A experiência abre caminho para o desenvolvimento de próteses mais inteligentes para pessoas paralíticas ou amputadas

“É um desafio permitir o controle bimanual por uma interface cérebro-máquina porque este não é conseguido pela simples combinação dos sinais de cada membro”, diz o artigo que descreve a pesquisa, publicado esta semana na Science Translational Medicine. “O movimento simultâneo dos membros está relacionado a padrões específicos da atividade cerebral.”

Segundo os autores, a experiência abre caminho para o desenvolvimento de próteses mais inteligentes para pessoas paralíticas ou amputadas. No lugar de um braço virtual, o indivíduo movimentaria membros artificiais acoplados ao seu corpo e conectados ao seu cérebro.

                                                                                                                                                                                     Campo frutífero

Além das experiências do grupo de Nicolelis, há muitas outras em curso, inclusive com humanos. No ano passado, cientistas da Universidade Brown (EUA) anunciaram que o implante de um chip no cérebro de uma paciente paraplégica a permitiu controlar um braço robótico a sua frente.

O biomédico Silvestro Micera, da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça), também mostrou progresso ao implantar em um paciente uma mão biônica que oferece a sensação de toque ao se conectar diretamente aos nervos periféricos do braço, sem necessidade de eletrodos no cérebro.

O próprio Nicolelis faz parte de um consórcio internacional, o Walk Again Project, que planeja construir um exoesqueleto controlado pelo cérebro. Se tudo der certo, o aparato deve ser usado por um paciente que dará o chute inicial na abertura da Copa da Fifa em 2014, no Brasil.

Nem tão perto

A aplicação clínica desses avanços, no entanto, pode não estar tão próxima. Em artigo publicado no mesmo periódico, o biomédico Nitish V. Thakor, da Universidade Johns Hopkins (EUA), ressalta os desafios para que esse dia chegue.

Thakor: “Apesar do grande avanço das pesquisas, a atividade cerebral dos indivíduos ainda é decodificada muito devagar”

“Apesar do grande avanço das pesquisas, a atividade cerebral dos indivíduos ainda é decodificada muito devagar, ainda se leva frações de segundo ou até um segundo para mover um cursor, embora o pensamento seja instantâneo”, diz. “No estágio em que estamos, a pessoa ainda precisa dar atenção exclusiva para completar uma tarefa, como mover uma prótese, o que impede que as tarefas diárias sejam desempenhadas inconscientemente ou sem esforço como demanda a rotina.”

Ainda assim, o pesquisador aposta na interface cérebro-máquina como o futuro das próteses. “Essas tecnologias são promissoras para melhorar a vida de pessoas com deficiências”, assegura. “Por isso, o financiamento de pesquisas não pode parar até que tenhamos conhecimento suficiente para fazer próteses seguras e eficientes.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line