Dois em um?

Aprovado em 2006 no Brasil, a exenatida é um medicamento capaz de controlar os níveis de glicose no sangue. Sua eficácia em pacientes com diabetes tipo 2 é inegável, mas pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que o remédio pode ir além. Ao tratar camundongos que exibem sintomas do mal de Alzheimer, os cientistas observaram melhora significativa na formação de memória dos animais.

O trabalho foi publicado no periódico The Journal of Clinical Investigation e se baseia em estudos anteriores que mostram a grande incidência de Alzheimer em pacientes com diabetes e a resistência à insulina em cérebros de quem desenvolve a primeira. Partindo de evidências da ligação entre as duas doenças e esse hormônio, os pesquisadores buscam entender melhor os mecanismos que compartilham.

No recente estudo, trataram camundongos transgênicos com sintomas de Alzheimer com o medicamento de diabetes tipo 2, capaz de provocar uma ação parecida com a da insulina por meio de mecanismos alternativos. Em seguida, submeteram os animais a testes de memória, observando neles uma maior capacidade de aprender e memorizar caminhos em um labirinto em comparação com camundongos não tratados com exenatida.

Os pesquisadores também identificaram melhoras nas vias de sinalização de insulina no cérebro dos animais que receberam o remédio, o que reforça evidências de uma possível relação do hormônio com a perda de memória no Alzheimer. Segundo Theresa Bomfim, aluna de doutorado da UFRJ que participou do estudo, outras pesquisas mostram que, quando um animal é gerado sem a capacidade de ativar as vias da insulina, o aprendizado se torna muito mais difícil.

Esquema explicativo do estudo.
Esquema explicativo do estudo. Clique na imagem para ver os detalhes.

Ligações perigosas

Já se sabe, há décadas, que o diabetes é causado pela deficiência de insulina, responsável por controlar a entrada de glicose na célula para geração de energia. Mas, somente em 2009, a insulina foi descrita como um elemento importante no aparecimento do mal de Alzheimer, não coincidentemente por Fernanda De Felice, bióloga da UFRJ que coordena o atual estudo.

Segundo a pesquisadora, a atividade desse hormônio é diferente em neurônios de pacientes com a doença. “As proteínas onde a insulina se liga para permitir que a célula faça a captação de açúcar para gerar energia são colocadas dentro do neurônio na doença de Alzheimer, impedindo a ação da insulina.”

A resistência à insulina se dá pela presença de grupos de pequenas proteínas chamados oligômeros. Quando eles se ligam ao neurônio, além de impedir a ação do hormônio, os oligômeros também destroem as sinapses nervosas, impedindo a formação de memória.

Os resultados do estudo abrem portas para um novo tratamento, mas ainda é preciso mais pesquisas para entender sua ação em pacientes com Alzheimer. Apesar de ter sido aprovado para diabéticos, o uso da exenatida deve ser avaliado em pessoas com resistência à insulina apenas no neurônio, evitando efeitos colaterais do excesso de atividade desse hormônio em células como as do músculo ou do fígado.

Desafios à vista

A próxima etapa do estudo requer ensaios clínicos, mas os pesquisadores contam que o Brasil não possui estrutura para esse tipo de experimento. Além disso, a falta de exames precisos para o diagnóstico do mal de Alzheimer complica a execução dos testes. 

Ferreira: “Sem o diagnóstico, como saber se estamos tratando uma pessoa com Alzheimer ou apenas com lapsos de memória?”

“A doença só é confirmada após a morte, quando é possível ver no cérebro as lesões causadas por ela”, esclarece o químico da UFRJ Sérgio Ferreira, coautor da pesquisa. “Sem o diagnóstico, como saber se estamos tratando uma pessoa com Alzheimer ou apenas com lapsos de memória?”

Outra dificuldade em adotar a exenatida como tratamento para o Alzheimer é o preço.  O medicamento pode custar até R$ 500.

Diante dos empecilhos que ainda precisarão ser superados, De Felice alerta para formas de prevenir a doença. “Em animais, é possível ver que a atividade física ajuda na melhora das funções de aprendizagem e memória, além de prevenir outros efeitos maléficos do diabetes como problemas cardíacos e de visão.”

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line