Atire a primeira pedra quem nunca tirou uma soneca depois da aula. Mas ninguém precisa se sentir culpado: a neurociência tem a desculpa perfeita para fechar os olhos e descansar após um turno cansativo na escola ou na universidade. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) concluíram que a tão valorizada soneca ajuda a consolidar as memórias do que se aprende em sala de aula. Trocando em miúdos, dormir depois da aula ajuda a reforçar o que foi aprendido e mantém a memória viva por mais tempo.
Os pesquisadores fizeram uma série de testes com 584 alunos de 10 a 15 anos de sete escolas da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Eles queriam avaliar o que estava sendo registrado na mente dos indivíduos em uma soneca logo após a aula. Para isso, dividiram as turmas em dois grupos – grupo soneca e grupo vigília – e, depois que o primeiro grupo tirava sonecas de 50 minutos a duas horas de duração, aplicaram testes com perguntas sobre o que havia sido exposto na classe, com temas que incluíam matemática, geografia e ciências.
Realizados em duas etapas com intervalo de cinco dias, os testes mostraram que o grupo soneca lembrava mais claramente do que foi visto nas aulas. “Concluímos que há um aumento de cerca de 10% na retenção da memória em crianças que cochilavam logo após a aula”, pontua Sidarta Ribeiro, neurocientista da UFRN e um dos autores do estudo, publicado na revista Frontiers in Systems Neuroscience.
Esta não foi a primeira vez que uma pesquisa demonstrou a relação entre sono e memória. “Já tínhamos mostrado em trabalhos anteriores, realizados em laboratório com roedores, que a soneca tem influência no mecanismo do cérebro responsável por consolidar memórias. Agora, vimos em crianças no ambiente escolar que a soneca aumenta a duração das memórias – o que é bem interessante: queremos que as crianças se lembrem do que aprendem”.
Ribeiro e sua equipe fazem parte de um grupo seleto de cientistas que já publicaram artigos sobre o sono na escola do ponto de vista da neurociência – há outra equipe de relevância nessa área, na Universidade de Massachusetts, Estados Unidos. O próximo passo do grupo da UFRN é entender os exatos mecanismos cerebrais que controlam a fixação de memórias durante o sono. “Queremos também expandir o número de indivíduos avaliados”, revela o neurocientista brasileiro.
Neurocientistas reunidos
Sidarta Ribeiro foi um dos pesquisadores que apresentou seus resultados no 9º Congresso Mundial do Cérebro (IBRO 2015), que aconteceu na semana passada no Rio de Janeiro. Outro trabalho apresentado pela UFRN foi o do argentino Martín Cammarota, que busca compreender os mecanismos de persistência da memória, isto é, como as lembranças se fixam no cérebro.
Para isso, Cammarota realizou uma série de experimentos em ratos, buscando identificar os fatores que podem induzir o esquecimento de informações durante o sono. Sua principal hipótese é que a extinção de memórias não é simplesmente um esquecimento, mas um fenômeno decorrente da criação de uma nova memória, que compete com a primeira para determinar o comportamento do indivíduo. O pesquisador avalia os mecanismos bioquímicos por trás desse processo e, no futuro, pretende realizar testes semelhantes em humanos.
Já na Alemanha, o neurocientisa Jan Born, da Universidade de Tubingen, usa testes em ratos para desvendar o mecanismo por trás da consolidação de lembranças. Ele observou que o sono atua como diferencial na formação das memórias, principalmente aquelas de longo prazo. Agora, avalia o funcionamento do hipocampo – principal sede da memória no cérebro – nesse processo durante uma noite de sono.
As relações entre sono, estresse e memórias emocionais são o objeto de estudo da neurocientista Jéssica Payne, da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. Seus resultados apontam que dormir ajuda a moldar as memórias de momentos que causaram fortes emoções, sejam elas negativas ou positivas. Descobriu, já com testes em humanos, que gravamos em nossa mente os aspectos que mais nos chamam atenção em uma cena – como a arma na mão do ladrão, em um assalto. O próximo passo é compreender como isso ocorre em nosso cérebro.
Para Payne, ainda há muitas perguntas a serem respondidas, mas o caminho trilhado por cientistas brasileiros é interessante. “Acredito que as pesquisas que estão sendo feitas no Brasil acerca do sono e memória são extremamente promissoras”, comenta a neurocientista.
Valentina Leite
Instituto Ciência Hoje/ RJ