Duas faces de Marte

A imagem mostra a diferença topográfica entre os dois hemisférios de Marte: ao sul, o terreno montanhoso, representado em vermelho e amarelo; ao norte as terras baixas e planas, representadas em azul (foto: Nasa).

Marte é considerado um planeta dividido: ao sul, apresenta um terreno montanhoso, que cobre cerca de dois terços de sua extensão, enquanto ao norte possui uma superfície plana e mais baixa. A causa dessa diferença entre os dois hemisférios, considerada um mistério durante anos pelos especialistas, começa a ser desvendada. De acordo com três estudos publicados esta semana na revista Nature, ela pode ser atribuída a um dos maiores impactos ocorridos no Sistema Solar, há cerca de 4 bilhões de anos.

Um dos estudos foi realizado por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) em parceria com a agência espacial norte-americana (Nasa). O grupo, liderado por Jeffrey Andrews-Hanna, analisou a topografia e a gravidade do planeta vermelho, e encontrou evidências de que a diferença seria causada pelo choque de um asteróide ou cometa.

Os pesquisadores concluíram que a área de impacto, batizada de bacia Boreal, é a maior de que se tem notícia até hoje, com mais de 10 mil km de comprimento e 8,5 mil km de largura. Para efeito de comparação, o Brasil possui aproximadamente 4,4 mil km de distância entre norte e sul. A bacia Boreal possui forma elíptica e se estende por 40% da superfície de Marte, em uma área equivalente às da Ásia, Europa e Austrália somadas.

As bordas da bacia são parcialmente encobertas pela região vulcânica de Tharsis, o que dificulta a observação, pois 30% da região estaria enterrada sob depósitos de lava mais recentes. Com medições do campo gravitacional do planeta, a equipe de Andrews-Hanna foi capaz de subtrair a contribuição da camada de lava originada pelas erupções de Tharsis para a crosta de Marte e conseguiu, assim, mapear com precisão os limites da bacia.

O impacto teria produzido as características do hemisfério norte de Marte, considerado uma das superfícies mais planas já encontradas em todo o Sistema Solar. De acordo com Hanna, após a criação de modelos que reproduziram o formato original da bacia, foi possível perceber claramente uma forma de elipse quase perfeita da bacia Boreal.

Representação artística do impacto gigantesco que gerou a dicotomia na crosta de Marte, criada a partir das simulações da equipe de Margarita Marinova (arte: Jeff Andrews-Hanna).

A correspondência entre a forma elíptica perfeita causada pelo impacto e a linha divisória entre os dois hemisférios, que se modificou com a ação vulcânica, chamou a atenção dos pesquisadores. “Um impacto de fato é o único mecanismo que pode produzir essas depressões elípticas em grande escala”, afirmou Andrews-Hanna em comunicado divulgado à imprensa. “Não provamos a hipótese do impacto gigante, mas esta é uma grande evidência em favor dela”.

Impacto oblíquo
Os outros dois artigos publicados na mesma edição da Nature reforçam a validade dessa hipótese. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, liderados por Margarita Marinova, investigaram como um grande impacto poderia ter gerado as características atuais do solo marciano sem destruir completamente o planeta.

Os pesquisadores realizaram simulações tridimensionais para testar centenas de valores para o ângulo do impacto e para a energia e a velocidade do bólido que teria provocado a formação da bacia. A equipe concluiu que a “cicatriz” em formato de elipse só poderia ter sido formada por um impacto causado em um ângulo oblíquo. Caso o asteróide ou cometa tivesse se chocado perpendicularmente com Marte, argumentam os autores, o choque teria provocado o derretimento da crosta, e as evidências do impacto teriam se apagado.

O terceiro estudo, realizado pela equipe do geólogo Francis Nimmo, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, desenvolveu uma série de modelos bidimensionais para analisar o comportamento da crosta marciana durante o impacto. A pesquisa mostrou que um grande impacto seria o responsável pelo declínio observado na força do campo magnético de Marte e pelo derretimento da crosta que teria formado a grande planície do hemisfério norte.

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
26/06/2008