E o verbo se fez byte

A via expressa da world wide web permite que, mesmo em viagens guiadas pelo acaso, o internauta se depare com verdadeiras preciosidades históricas. É o caso da Bíblia de Gutenberg — a primeira obra impressa em série, há cerca de 500 anos. Com apenas 48 exemplares espalhados pelo mundo, ela está disponível no formato digital, acessível para usuários da web.

Página dupla da ‘Bíblia de 42 linhas’ que acaba de ser digitalizada (fotos: Universidade do Texas)

A Universidade do Texas, dona de um desses exemplares, acaba de disponibilizar na internet a obra completa: as cerca de 1300 páginas do original de Gutenberg foram transformadas em imagens digitais de livre consulta. Para tal, utilizou scanners de alta resolução, o que permitiu a digitalização da Bíblia em menos de uma semana. Gutenberg levou vários meses (até um ano e meio, acredita-se) para concluir sua impressão da obra.

A ‘Bíblia de 42 linhas’, como também é conhecida, foi impressa em Mainz, na atual Alemanha, por volta do ano 1450. Os exemplares eram vendidos sem encadernação ou ilustrações, o que era feito posteriormente, de acordo com os gostos de seus donos.

Assim, cada cópia apresenta características únicas, como anotações, marcas de parágrafos e iluminuras. O exemplar adquirido pela Universidade do Texas conserva em suas margens as marcas deixadas ao longo do tempo por monges e escribas, algumas delas com indicação de trechos que deveriam ser lidos em voz alta.

 

Mais de meio milênio separa a prensa de tipos móveis que imprimiu a Bíblia de Gutenberg dos scanners em que ela foi digitalizada na Univ. do Texas

O ourives Johannes Gutenberg (1398-1468), nascido na atual Alemanha, é considerado o criador da imprensa em série. Seu invento chegou a ser apontado, em um levantamento feito nos anos 1990 pela revista Life , como o evento mais revolucionário do segundo milênio, à frente de fatos como o desenvolvimento das armas de fogo na China e as observações astronômicas de Galileu.

 

Para Henrique Antoun, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o surgimento da Bíblia de Gutenberg é emblemático, pois marca a transformação do mundo medieval e a passagem para a Idade Moderna. “O surgimento da imprensa permitiu que a religião saísse das mãos dos sacerdotes e chegasse ao povo”, disse.

À época de Gutenberg, as primeiras Bíblias impressas eram de difícil acesso. Poucos indivíduos possuíam condições financeiras para adquirir o livro; a maior parte dos volumes foi vendida para igrejas, mosteiros e universidades. Meio milênio depois, a obra está disponível na internet, com acesso fácil e imediato.

A Bíblia de Gutenberg está ao alcance de (quase) todos — inclusive aqueles que a príncípio não se interessariam pelo tema. O hipertexto, estrutura típica da leitura na web, permite que esses internautas cheguem até a obra por meio de links encontrados em outros sites. “Aqueles que jamais iriam até o museu para ver a Bíblia talvez dêem uma olhadinha na internet”, afirma Henrique. “Com um clique no mouse e dez minutos do meu tempo, posso ter acesso à Bíblia de Gutenberg.”

 

Confira na internet a versão digitalizada da
‘Bíblia de 42 linhas’ da Universidade do Texas

Fábia Andérez
Ciência Hoje On-line
28/08/03