Em busca de uma lixeira cósmica

Existem cerca de 9 mil fragmentos de foguetes e satélites na órbita da Terra (imagens: Orbital Debris Program/Nasa)

Desde 1957 o homem vem lançando objetos no espaço, sejam foguetes ou satélites. A televisão ao vivo, a previsão do tempo, o sensoriamento remoto: tudo isso só é possível por causa das atividades espaciais. Hoje os lançamentos são feitos com uma freqüência muito grande, não apenas por Estados, mas também por empresas privadas. Já existem nove mil fragmentos de lixo espacial sobre a Terra, totalizando mais de cinco mil toneladas de material inútil. E essa quantidade tende a crescer cada vez mais, como alertam dois cientistas da Nasa.

 
Em artigo publicado na Science de 20 de janeiro, Jer-Chyi Liou e Nicholas Jonhson demonstram que, mesmo que não seja feito mais nenhum lançamento, a quantidade de fragmentos que paira sobre a atmosfera terrestre vai aumentar. Ainda que lixo proveniente de explosões e de missões ainda em andamento tenda a diminuir, as colisões entre os objetos já em órbita serão cada vez mais freqüentes e devem poluir ainda mais o espaço.
 
Esses eventos representam um perigo real: os fragmentos resultantes desses choques viajam com uma velocidade suficiente para fazer um buraco numa espaçonave ou inutilizar um satélite. Três colisões de grande impacto foram catalogadas entre 1991 e 2005. Os autores calculam que, por volta de 2055, os fragmentos provenientes de colisões serão mais numerosos que os provenientes de objetos inativos – e os cientistas alertam que a situação pode ser ainda pior do que indicam as previsões.
 
Entre 30 e 70 lançamentos são feitos por ano. Os satélites têm uma vida útil de aproximadamente doze anos e os foguetes são lançados em etapas nas quais deixam um rastro de rejeitos que, se não caírem na Terra, vão virar lixo espacial.
 
Em todo o mundo cientistas trabalham em busca de uma solução para o problema – a Nasa, por exemplo, tem um Programa de Lixo Espacial, coordenado por Johnson. No entanto, ainda não foi descoberto um método eficiente e economicamente viável para remover o lixo. “Muitas medidas foram desenvolvidas para atenuar o problema, mas isso não é o suficiente para resolvê-lo”, afirmou Liou em entrevista à CH On-line . “Para limitar melhor o aumento do lixo, é preciso uma remoção ativa dos objetos do espaço, o que requer um esforço conjunto de Estados e empresas.”
 

Quem vai pagar?

Localizado na Califórnia, o radar acima é capaz de detectar objetos de até 2 mm em altitudes abaixo de 1000 km.

Uma alternativa para contornar o problema seria colocar os objetos lançados em órbitas mais altas, para que não causem acidentes. “O impasse é que essas operações custam muito caro e não oferecem nenhum retorno financeiro. Quem vai gastar?”, indaga José Monserrat Filho, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial.

 
Monserrat explica que as atividades espaciais são por tratados elaborados pelo Comitê Para Uso Pacífico do Espaço Exterior, ligado à Organização das Nações Unidas. A questão do lixo espacial já foi discutida por especialistas e a França tenta colocar o assunto em pauta há dois anos. Apesar disso, os assuntos só entram na pauta se houver uma aceitação consensual e existem muitos interesses em jogo.
 
“Países desenvolvidos como os Estados Unidos não querem que as normas fiquem rígidas a ponto de complicar a vida de suas empresas”, explica Monserrat. “Para os países em desenvolvimento não é vantagem pensar no assunto, porque uma legislação rígida vai encarecer a atividade espacial.” Regras que controlem o lixo espacial – como o uso de materiais mais leves e de desintegração mais rápida – provavelmente tornarão a atividade mais cara.
 

“Por enquanto não existe nenhuma regra que considere a existência do lixo espacial”, afirma Monserrat. “Esse conceito sequer existe na legislação.” A situação pode gerar impasses: se, por exemplo, uma colisão inutilizar um satélite, quem irá pagar pelo danoω A não ser que o lixo possa ser reconhecido, ninguém poderá ser responsabilizado. Já existem algumas diretrizes nos vários tratados de direito espacial, mas nada específico.

 

 

 

Franciane Lovati

 

Especial para a CH On-line

20/02/2006