Era uma vez… um planeta habitável

É possível que Marte já tenha sido um planeta habitável há pouco mais de três bilhões de anos. A hipótese foi levantada recentemente, depois que pesquisadores de instituições norte-americanas encontraram depósitos de sílica hidratada no solo marciano.

O mineral, que já tinha sido identificado no planeta em outras expedições, pela primeira vez foi encontrado em um lugar tão privilegiado: ao redor de uma antiga região vulcânica, que teria sido rica em vapor de água, calor e outros minerais. Em outras palavras, um lugar adequado, pela definição terrestre, para a vida.

A sílica é capaz de registrar qualquer evidência de vida que possa ter existidona região quando os depósitos se formaram, há cerca de 3,7 bilhões deanos

“Na Terra, os depósitos de sílica são capazes de preservar muito bem bioassinaturas e fósseis de microrganismos”, explica J. R. Skok, da Universidade Brown, nos Estados Unidos. Skok é um dos autores do artigo publicado em outubro na versão on-line da revista Nature Geoscience. “Acreditamos que o mesmo tenha acontecido em Marte, se por lá houve algo a preservar”, complementa.

A sílica funciona como um pequeno dispositivo que cria cápsulas fechadas, ideal para preservar fósseis dos estragos do tempo e do clima. De acordo com os cientistas, ela é capaz de registrar qualquer evidência de vida que possa ter existido na região quando os depósitos se formaram, há cerca de 3,7 bilhões de anos.

Evidências de vida

O local estudado pelos pesquisadores faz parte de um complexo vulcânico conhecido como Syrtis Major, principal região do planeta vermelho onde valeria a pena procurar por vida. “Para ser habitável, é preciso que o ambiente disponha de água e energia, os dois principais requisitos para a vida como nós a conhecemos comumente”, lembra Skok.

Vulcão em Marte
Visão do monte vulcânico investigado em Marte, com os depósitos de sílica hidratada marcados em branco. As observações são de sonda orbital da Nasa que estuda o planeta desde 2006. Pela primeira vez, o mineral foi encontrado em um lugar tão propício à vida no planeta. (foto: Nasa)

Apesar desses indícios, a equipe é realista. “Embora sejam lugares ideais para procurarmos por um ambiente habitável, essas regiões provavelmente duraram muito pouco para a evolução da vida local”, pondera o pesquisador. “No entanto, se a vida realmente existiu em Marte, esse complexo vulcânico seria um lugar que poderia sustentá-la e preservar seus registros”, reconhece.

Marte mais parecido com a Terra

Para a astrônoma Thais Mothé-Diniz, do Observatório Nacional, a descoberta de sílica nesse complexo vulcânico reforça as descobertas anteriores, feitas pelo veículo espacial Mars Rover três anos atrás. Na ocasião, ele detectou no solo marciano outras regiões ricas em sílica, com aproximadamente 90% do mineral puro.

“Quanto à sílica hidratada, ela pode ter se formado pela interação do solo com vapores quentes, liberados durante a atividade vulcânica na presença de água”, sugere a pesquisadora. Segundo ela, essas condições podem ter sido favoráveis ao surgimento de algum tipo de vida no planeta. “A existência desses depósitos implica, quase que diretamente, a presença de lençóis d’água na região.”

Gêiser no Parque Nacional de Yellowstone
Erupção de um gêiser no Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos. Se existiu um ambiente hidrotermal em Marte, como questiona o estudo, ele pode ser comparado a fontes termais como esta. (foto: Wikimedia Commons – CC BY NC 3.0)

Mothé-Diniz ainda acredita que, se existiu um ambiente hidrotermal em Marte, ele pode ser comparado a nascentes ou fontes termais do nosso próprio planeta, como as que existem no Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, e as localizadas nas proximidades de vulcões ativos no Chile e em países da Europa e Ásia.

“Fazendo um paralelo com o parque estadunidense, vemos que os gêiseres, quando alimentados pelo calor vulcânico, ainda que sob baixíssimas temperaturas ambientais, são repletos de bactérias e microrganismos”, explica a astrônoma. “Assim, é razoável pensar que o mesmo possa ter ocorrido em alguma época da história de Marte”, deduz.

Carolina Drago

Ciência Hoje On-line