Errantes navegantes visitam os trópicos

Populações de machos, jovens, com aparência saudável, estirados na areia. Assim são os elefantes-marinhos que têm sido encontrados nos últimos anos nas praias de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos do litoral fluminense. O último deles foi avistado em 26 de julho. Antes disso, dois outros espécimes haviam sido observados, em setembro e outubro de 2001 e no período de julho a novembro de 2002.

A ocorrência de elefantes-marinhos da espécie Mirounga leonina no
litoral do Rio tem intrigado os cientistas (foto: Salvatore Siciliano)

Esses elefantes-marinhos estão sendo monitorados por pesquisadores do Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (GEMM-Lagos), que relataram a observação dos animais na última edição do Latin American Journal of Aquatic Mammals.

Os visitantes pertencem à espécie Mirounga leonina , exclusiva do hemisfério Sul (eles são parentes próximos dos elefantes-marinhos do norte, os M. angustirostris ). A espécie avistada no Brasil é originária da região subantártica, onde vive em águas frias (entre 5 e 10o C) e ricas em peixes e moluscos cefalópodes que servem de alimento a esses mamíferos marinhos.

As condições oceânicas de Arraial do Cabo garantem uma boa temporada aos visitantes. Nessa região, a ação do vento nordeste ’varre’ a camada superficial do mar para longe da costa e traz à tona as águas de profundidades intermediárias, mais frias e ricas em nutrientes. Esse fenômeno é chamado de ressurgência.

A ocorrência sistemática de elefantes-marinhos na Região dos Lagos intriga os cientistas. “Ainda estamos tentando entender o que os traz até aqui”, diz o biólogo Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz. “Esse fato não é incomum, mas há uma grande discussão sobre suas causas.”

O fenômeno é atribuído por alguns pesquisadores a movimentos erráticos dos animais. Acredita-se que sua chegada até a costa seja favorecida por um conjunto de correntes oceânicas, que exige dos elefantes-marinhos menos esforço de natação. Além disso, a força das águas distribuiria para outras partes do oceano os alimentos antes restritos à região subantártica.

Em vermelho, pontos em que foram observados indivíduos da espécie
M. leonina. Sua presença no litoral brasileiro está ligada à ação das
correntes de Benguela (preto), do Brasil (verm.) e das Malvinas (azul)
(fonte: Larissa Oliveira – Gemars/Ceclimar/Labec-USP)

Os animais iniciariam a viagem pela corrente fria de Benguela, que costeia o sul da África. Em sentido anti-horário, ela os leva até o Nordeste brasileiro, já com o nome de corrente do Brasil. Segundo Salvatore, essa hipótese explica o registro da chegada dos elefantes-marinhos a pontos como Fernando de Noronha (em 1994), mas não dá conta de todas as ocorrências na costa. “A corrente das Malvinas, que costeia o sul do continente, traz alguns indivíduos para a costa do Rio e de São Paulo, por exemplo”, diz ele. “Acredito que a explicação seja uma combinação das duas hipóteses.”

No entanto, a força e influência dessas correntes estaria aumentando em decorrência dos fenômenos El Niño e La Niña. É o que defende a bióloga Larissa Oliveira, do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), que desde 1991 monitora o aparecimento desses mamíferos na costa do país. “Eles chegam à costa brasileira no momento da troca desses dois fenômenos, o que pode ser um indício de sua influência.”

Fábia Andérez
Ciência Hoje On-line
15/08/03