Ervilha inflamatória

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A ervilha ( Pisum sativum ) foi geneticamente modificada para sintetizar uma proteína que impede insetos predadores de digerir o amido das plantas.

Um estudo australiano vem jogar mais lenha na fogueira do debate dos transgênicos, especificamente sobre a questão do consumo de alimentos geneticamente modificados poder fazer mal às pessoas. Ao tentar criar uma ervilha ( Pisum sativum ) capaz de resistir à praga do besouro da espécie Bruchus pisorum , os pesquisadores constataram que a proteína envolvida na proteção, a inibidora de alfa-amilase I (AAI), causava alergia em camundongos. Extraída originalmente do feijão ( Phaseolus vulgaris ), essa substância impede o inseto de digerir o amido das plantas.

 
Os cientistas da Organização de Pesquisa Científica e Industrial do Commonwealth (Csiro) e da Universidade Nacional da Austrália, ambos em Canberra, mostraram que a AAI, quando produzida nas ervilhas, sofre uma alteração estrutural que dispara uma resposta imune nos animais de laboratório, podendo levar a inflamações e danos pulmonares. Os resultados foram publicados na edição de 16 de novembro da revista norte-americana Journal of Agricultural and Food Chemistry .
 
Inicialmente, o trabalho analisou e comparou as duas versões da proteína, a original, do feijão, e a transgênica, da ervilha. Segundo o artigo, ao ser expressa nesta última, a AAI sofre alterações pós-traducionais, ou seja, embora possua a mesma seqüência genética, a proteína é modificada após sua produção, principalmente durante uma etapa chamada de glicosilação, onde moléculas de açúcares são adicionadas à AAI.
 
Normalmente, proteínas que fazem parte da dieta de um indivíduo são digeridas no estômago e induzem uma tolerância oral: o sistema imune do organismo não reage quando a substância entra em contato com a pele ou o pulmão. No entanto, os pesquisadores suspeitaram que as diferenças estruturais da versão da AAI produzida na ervilha pudessem afetar a tolerância oral.
 
Para responder a essa questão, eles alimentaram camundongos com a proteína normal e a transgênica, e depois expuseram a pele e o pulmão dos animais às mesmas substâncias. A AAI do feijão não causou qualquer reação. Já a da ervilha produziu hipersensibilidade e resposta inflamatória. Esses efeitos foram registrados mesmo quando a proteína foi extraída de ervilhas cozidas por 20 minutos. Além disso, a AAI transgênica potencializa reações imunológicas contra outras substâncias alimentares.
 
Os autores do artigo não sabem dizer qual a freqüência com que alterações estruturais de proteínas transgênicas acontecem ou se o fenômeno se restringe à AAI. Eles ressaltam, porém, que é possível que o mesmo aconteça com outras proteínas, o que reforça a importância de uma avaliação cuidadosa de novos alimentos transgênicos antes de sua liberação para consumo humano ou animal.

Fred Furtado
Ciência Hoje On-line
08/12/2005