Danos no sistema cardiovascular e queda da fertilidade feminina. Esses dois itens vêm se juntar à extensa lista de impactos da poluição atmosférica sobre a saúde, como mostram duas pesquisas recentes realizadas na Universidade de São Paulo. A constatação foi feita em estudos com animais em contato com poluentes no Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina, com o intuito de entender por que as taxas de mortalidade aumentam nos dias em que o ar da cidade está mais poluído.
Panorama de São Paulo em um dia poluído, com o fenômeno da inversão térmica
As complicações cardiovasculares no organismo de ratos foram observadas pela equipe da bióloga Dolores Rivero, que examinou 85 animais após injetar em suas traquéias uma solução contendo material particulado, poluente lançado pelo escapamento de veículos. Esse material foi obtido por meio de um aparelho que suga o ar, filtrando-o. A poeira retida no filtro foi dissolvida em soro fisiológico e aplicada nos animais.
Uma hora depois, a bióloga submeteu 47 desses ratos a exames de eletrocardiograma. Os resultados mostraram uma diminuição no ajuste da freqüência cardíaca. Essa debilidade potencializa riscos de morte súbita, pois faz com que mudanças nas taxas de batimentos cardíacos deixem de ser controladas. No entanto, nenhum animal morreu durante o experimento. Nos outros 38 mamíferos foram realizados exames morfológicos que verificaram o estreitamento dos vasos pulmonares, alteração que faz com que o coração trabalhe com sobrecarga de pressão.
O estudo simulou em um prazo curto os prejuízos causados pela inalação diária e contínua do ar das metrópoles. “Ao lidar com animais de laboratório, ou seja, nunca sujeitos à poluição, trabalhamos com doses concentradas de material poluído”, explica a pesquisadora. Assim, o estudo tentou desvendar os motivos do aumento de admissões hospitalares por problemas cardíacos nos dias que a poluição está aumentada.
Buscando explicar mais uma estatística – o índice maior de internações por aborto em dias mais poluídos –, outro grupo de pesquisadores do mesmo laboratório também expôs cobaias à poluição. Desta vez, porém, foi comparada a fertilidade entre camundongos fêmeas que inalaram ar poluído e limpo.
As roedoras foram mantidas durante quatro meses – grande parte de sua vida, já que os camundongos vivem em média um ano – em dois tipos de câmaras: com ou sem filtro contra os poluentes do ar. Depois, foram fecundadas por machos igualmente ‘limpos’ e passaram o período de gravidez encerradas.
Cada mãe deu à luz, em média, a oito filhotes. Contudo, entre as fêmeas que viveram nas câmaras sem filtro, metade da prole nasceu morta; no outro grupo, observaram-se apenas duas mortes por ninhada. Além disso, os cientistas também constataram que, entre os animais mantidos na câmara poluída, era menor o peso médio da prole ao nascer e maior o índice de reabsorção fetal (uma espécie de aborto no início da gestação de animais, identificada por uma inflamação no útero).
Esses dados indicam que o comprometimento da fertilidade das fêmeas pode ser provocado pela poluição. “Essa complicação associa-se a uma falta de nutrição para os fetos, já que a placenta não se desenvolve devido a uma má circulação do sangue em meios poluídos”, esclarece o professor Paulo Saldiva, chefe do Laboratório de Poluição Atmosférica.
Lia Brum
Ciência Hoje On-line
07/07/05