Evoluir ou não evoluir?

Quase 150 anos após sua publicação, a teoria da evolução continua fazendo muita gente torcer o nariz. Um estudo recente publicado na revista Science mostrou que mais de um terço dos norte-americanos acredita que o ser humano foi criado por Deus sem passar por qualquer processo evolutivo. No Brasil, a aceitação das idéias de Charles Darwin não é muito melhor: uma pesquisa feita em 2004 apontou índices parecidos de rejeição às idéias evolucionistas. Mas o que leva tanta gente a contrariar as evidências empíricas da seleção natural em pleno século 21? A CH On-line ouviu especialistas no Brasil e no exterior e tenta entender os motivos.

A teoria da evolução estabelece que todos seres vivos evoluíram de organismos menos sofisticados ao longo do tempo, o que vai de encontro a crenças religiosas. Ela é motivo de polêmica desde que foi proposta pela primeira vez por Charles Darwin (1809–1882) em seu livro clássico A origem das espécies , de 1859. Desde aquela época ela sofre críticas ferrenhas, pois nem todos admitem que os humanos possam ser descendentes de macacos, bem como que seres vivos tenham surgido de outra forma que não seja a criação de Deus.

O estudo publicado em 11 de agosto na Science mostra que, de 34 países em que a aceitação da teoria da evolução foi avaliada, os Estados Unidos aparecem na penúltima posição – o teste também foi feito no Japão e em países da Europa. Em alguns deles, a “popularidade” do evolucionismo chega a 80%, enquanto nos Estados Unidos um terço da população diz não acreditar que os seres humanos evoluíram dos primatas.

O caso do Brasil
Uma pesquisa semelhante foi feita em dezembro de 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os dois mil entrevistados nas cinco regiões do país, 31% acreditam que Deus criou o ser humano nos últimos 10 mil anos, da forma como somos hoje; 54% acreditam que o homem vem se desenvolvendo ao longo de milhões de anos, mas Deus planejou e dirigiu esse processo; 9% acreditam que o ser humano vem se desenvolvendo ao longo de milhões de anos, mas Deus não esteve envolvido nesse processo; e 6% não opinaram. Além disso, 89% deles acreditam que o criacionismo – concepção exposta no livro Gênesis da Bíblia, segundo a qual os indivíduos foram criados à imagem e semelhança de Deus – deve ser ensinado nas escolas.

Aceitação pública da evolução em 34 países em 2005. Pediu-se aos entrevistados que dissessem se consideravam a teoria de Darwin verdadeira ou falsa. O gráfico mostra os resultados por país, em ordem crescente de aceitação (reprodução/ Science )

Jon Miller, professor da Escola Médica da Northwestern University e um dos autores do estudo publicado na Science , ressaltou, em entrevista à CH On-line , que o ensino do criacionismo nas escolas pode prejudicar muito o aprendizado de diversas áreas da biologia. “A maior parte dos avanços científicos nas próximas décadas acontecerá em áreas biológicas, como genética e virologia”, afirma. “É impossível aprender os fundamentos dessa ciência sem ter um bom entendimento da teoria da evolução”.

Para explicar os motivos da baixa popularidade de Darwin nos Estados Unidos, os autores do artigo argumentam que há naquele país um fundamentalismo religioso que não existe nos países europeus. Eles esclarecem que a religião católica e as religiões protestantes européias enxergam o Gênesis como uma metáfora, ao contrário das religiões protestantes norte-americanas. Muitas pessoas acham que as plantas e os animais evoluíram, mas não o ser humano. “Os indivíduos acreditam que foram criados por Deus à sua imagem e semelhança. Nesse contexto, é difícil aceitar que o ser humano, assim como todos os outros seres vivos, passou por um processo evolutivo que durou bilhões de anos”, explica Miller.

Educação insuficiente
O biólogo Ricardo Waizbort, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), defende que no Brasil a pequena aceitação da teoria de Darwin está diretamente relacionada ao fato de que as pessoas não têm uma educação científica formal eficiente. “Muitas vezes o cidadão não compreende o que significa a evolução”, diz. “Por isso, responde a uma pesquisa desse tipo sem nem entender porque está sendo perguntado em relação àquilo, o que vai gerar uma resposta superficial.”

Waizbort recebeu a CH On-line na Fiocruz para uma entrevista em que discutiu a aceitação do darwinismo no Brasil. Clique e leia a íntegra da entrevista .

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
30/08/2006