Física quântica a olho nu

Físicos do Canadá, Inglaterra e Singapura conseguiram o feito inédito de criar um emaranhamento quântico, à temperatura ambiente, em objetos sólidos e visíveis a olho nu: dois diamantes de três milímetros de largura. Até então, esse fenômeno só tinha sido observado e induzido em objetos microscópicos.

O emaranhamento quântico é um dos misteriosos processos da física pelo qual duas partículas separadas e distantes se conectam ‘fantasmagoricamente’ formando um só sistema, de modo que as informações e características de cada uma delas deixam de ser individuais e passam a ser compartilhadas. 

No emaranhamento, não é possível conhecer inteiramente as propriedades de uma partícula em separado, mas somente das duas em conjunto. “É como um casamento ideal”, compara o físico Paulo Nussenzveig, da Universidade de São Paulo (USP). “Não conseguimos falar somente do marido ou da esposa, mas sim do casal, pois um é totalmente dependente do outro, idealmente, se tornam inseparáveis.”

Estudiosos de todo o mundo acreditavam que esse fenômeno, previsto por Einstein em 1935 e observado em nuvens formadas por partículas microscópicas desde a década de 1970, também poderia acontecer em sólidos macroscópicos, geridos pelas leis clássicas da física. Mas o grupo internacional de físicos é o primeiro a demonstrar isso em artigo publicado na Science desta semana.

Os físicos usaram feixes de raios laser ultraenergéticos para gerar o emaranhamento entre fônons (quase-partículas que carregam vibração) de dois diamantes distantes 15 cm um do outro. Ao serem atingidos pelo feixe de laser simultaneamente, os fônons presentes nos diamantes foram excitados e se mantiveram emaranhados por sete picosegundos, o equivalente a sete segundos sobre 1 bilhão. 

Esquema emaranhamento quântico
Os físicos criaram o emaranhamento ao bombardear com laser, simultaneamente, dois diamantes. Ao final do processo o detector identificou apenas um fóton emitido, o que comprovou o sucesso da experiência. (ilustração: Sofia Moutinho)

Para confirmar o emaranhamento, os cientistas mediram os fótons emitidos no processo – quando um fônon é excitado, ele libera fótons. Os cientistas observaram que o experimento resultou na emissão de apenas um fóton pelos dois diamantes, o que significa que eles estavam unidos pelo emaranhado quântico, formando um só objeto.

“Nosso detector registrou um fóton, que pode ter vindo de qualquer um dos dois diamantes em que um fônon foi excitado”, diz um dos físicos envolvidos na pesquisa, Ian Walmsley, da Universidade de Oxford, Inglaterra. “A indistinguibilidade entre essas duas possibilidades mostra que os dois diamantes compartilharam um fônon, comprovando o emaranhamento quântico.”

Os dois diamantes compartilharam um fônon, comprovando o emaranhamento quântico

Os físicos fizeram isso tudo à temperatura ambiente, o que também é inédito. As experiências anteriores para gerar emaranhamento usavam baixíssimas temperaturas, pois esse fenômeno, muito frágil, se desfaz ao sofrer qualquer interferência do ambiente, como as mudanças causadas pelo calor no arranjo dos átomos. 

Não foi à toa que eles escolheram o diamante para o experimento. O material é o mais duro do mundo e por isso vibra em frequências tão altas que ultrapassam o valor das temperaturas que normalmente desfazem o emaranhamento em nuvens de átomos.  

“Demonstramos a relevância do contraintuitivo, mas verdadeiro, mundo quântico para o nosso cotidiano, com objetos sólidos e ordinários”, afirma Walmsley. “Embora há muito tempo já se pensasse que átomos e outras partículas podiam se comportar estranhamente, emaranhando-se, essa era uma ideia suficientemente abstrata para que a mecânica quântica fosse ignorada em nosso ambiente diário.”

Informação quântica

O emaranhamento em objetos macroscópicos pode ter importantes implicações para a tecnologia, especialmente para a computação. Se controlado, o fenômeno poderia ser usado para tornar o processamento de informações mais rápido e eficiente. Em vez de usar bits normais, representados por 0 e 1, o computador quântico teria qubits, que além de 0 e 1 poderiam ser a sobreposição dos dois valores.

Os autores da pesquisa apostam no uso de diamantes para criar emaranhamento em chips e memórias de computador

“Qualquer sistema de informação é baseado em correlações, dependemos delas para gerar lógicas condicionais”, explica Paulo Nussenzveig. “As correlações de natureza quântica são muito mais fortes que as correlações clássicas, por isso existe a possibilidade de se ganhar eficiência no armazenamento e processamento de informação usando o emaranhamento.”

Os autores da pesquisa apostam no uso de diamantes para criar o emaranhamento em chips e memórias de computador. No entanto, Nussenzveig ressalta que a criação de computadores quânticos depende de emaranhamentos mais complexos que se mantenham por muito mais tempo do que o atingido no experimento. E isso ainda pode demorar décadas.


Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Sete picosegundos equivale a sete segundos sobre 1 bilhão e não um segundo dividido por 7 bilhões, como havíamos divulgado. (2/12/2011)