Força e simplicidade

Uma ideia simples. Tão simples que é até difícil de acreditar que ninguém tenha pensado nela antes. Apenas enrolando fios comuns de nylon, cientistas conseguiram criar uma espécie de ‘músculo artificial’ que pode ter diversas aplicações de engenharia, desde o uso em próteses mecânicas até em tecidos inteligentes.

O fio de nylon é um material resistente que não sofre muitas alterações em sua estrutura em temperatura ambiente. Esticado, ele é muito útil como linha de pesca ou base para bijuterias. Já ao ser enrolado como um fio de telefone, uma equipe internacional de pesquisadores, com a participação de um brasileiro, descobriu que esse material se transforma no que os cientistas chamam de um ‘atuador’, melhor dizendo, um elemento capaz de produzir movimento.

O simples ato de torcer um fio de nylon com um torno faz com que ele passe a ter uma capacidade enorme de contração quando aquecido

O engenheiro Marcio Dias, doutorando na Universidade do Texas em Dallas (Estados Unidos), explica que o simples ato de torcer um fio de nylon com um torno faz com que ele passe a ter uma capacidade enorme de contração quando aquecido. “Sob calor, o nylon se expande radialmente (na largura) e se contrai ao longo do comprimento da fibra”, explica. “Ao enrolarmos as fibras como uma mola, essa capacidade de contração térmica aumenta em 10 vezes, o que nos permite usar esse material para gerar movimento.”

O fio de nylon espiralado se contrai tanto sob o calor que pode chegar a ter metade de seu comprimento sem perder seu formato. Para se ter uma ideia, os músculos humanos só conseguem se contrair 20% de seu tamanho. Assim, o material funciona como uma supermola que pode ser controlada por alterações em sua temperatura.

Nylon enrolado em diferentes temperaturas
Quando aquecido, o fio de ‘nylon’ enrolado se contrai no comprimento e se expande na largura. Quando resfriado, o efeito é o contrário. Esse fenômeno pode ser aproveitado para mover objetos. (imagem: Haines et al.)

Uma das possíveis aplicações do fio seria na construção de janelas ou persianas inteligentes, que se abririam quando estivesse quente e se fechariam quando estivesse frio, somente pelo estímulo da temperatura do ar. Outra ideia seria usar o nylon enrolado para fabricar tecidos inteligentes capazes de ficar mais ou menos permeáveis de acordo com o calor.

“Conforme a direção do ‘enrolamento’, as fibras de nylon podem se expandir ou contrair com a temperatura”, explica Dias. “Quando trançadas junto com fibras naturais, como o algodão, elas poderiam ser usadas para mudar a abertura dos poros do tecido.”

Aplicações infinitas

Segundo o pesquisador, o fio de nylon enrolado poderia ser usado basicamente em qualquer situação onde fossem necessárias força e alta potência mecânica.

“Esse material, mesmo tão pequeno, produz a mesma potência mecânica que um motor a jato moderno”, frisa. “Por isso, tem muitas aplicações industriais, por exemplo, substituindo atuadores hidráulicos e elétricos em máquinas e dispositivos onde peso é um fator crítico. Em veículos, isso levaria a uma redução significativa do peso, permitindo maior economia de combustível.”

Assista a um vídeo que mostra testes com o nylon enrolado

Para aplicações que não dependem da temperatura ambiente, como no caso de automóveis e próteses mecânicas, o fio de nylon poderia ser enrolado junto com algum metal condutor, como a prata. Assim, seria capaz de receber uma corrente elétrica que o aqueceria quando a compressão fosse necessária.

“As aplicações são muito vastas”, resume o líder do estudo, o físico Ray Baughman, da Universidade do Texas em Dallas. “Hoje, os robôs e as próteses mais avançados estão limitados por motores e sistemas hidráulicos grandes e pesados que restringem seu desempenho. As fibras de nylon enroladas podem mudar isso.”

Baughman: “O que conseguimos com o nylon é um material barato com uma força incrível que excede em todos os aspectos o desempenho de um músculo humano”

A pesquisa será publicada na Science desta semana. No ano passado, a mesma equipe já havia publicado no mesmo periódico um artigo semelhante ao descobrir que fibras de nanotubos de carbono também apresentam extrema contração quando enroladas e aquecidas. O nanotubo de carbono, no entanto, é um material muito mais caro e complexo de trabalhar que o simples fio de nylon.

“O que conseguimos com o nylon é um material barato (cerca de cinco dólares o quilo) com uma força incrível que excede em todos os aspectos o desempenho de um músculo humano”, conclui Baughman.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
A segunda imagem foi substituída, pois as indicações de ‘frio’ e ‘quente’ estavam invertidas na imagem anterior. (21/02/2014)