De galho em galho

De ambientes desérticos a áreas alagadiças. A onça-pintada (Panthera onca) pode viver sob as mais diversas condições. A flexibilidade adaptativa da espécie já era bem conhecida. Mas um comportamento peculiar desse felino surpreendeu os pesquisadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a 500 km de Manaus (AM). Eles observaram e comprovaram: durante a época de cheia nas florestas de várzea da Amazônia, as onças-pintadas vivem por longos períodos em cima das árvores.

Durante a época de cheia nas florestas de várzea da Amazônia, as onças-pintadas vivem por longos períodos em cima das árvores

Em 2013, quatro onças foram capturadas para pesquisa. Elas receberam colares com GPS e, em seguida, foram soltas no mesmo local da floresta onde foram capturadas. Graças ao equipamento, os pesquisadores passaram a receber dados constantes sobre a localização de cada animal. Eles também instalaram armadilhas fotográficas pela floresta para acompanhar os felinos. Assim, observaram que, realmente, durante os períodos de cheia, as onças habitam os galhos das árvores da região.

“Em algumas épocas do ano, existe uma variação do nível da água de até 10 metros nas florestas de Mamirauá, deixando as áreas totalmente ‘sem chão’; e nós queríamos entender o que as onças faziam quando a floresta ficava inundada”, diz o coordenador da pesquisa, o biólogo Emiliano Esterci Ramalho, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. A entidade realiza estudos com onças-pintadas desde 2004.

Veja onça-pintada brincando com armadilha fotográfica na Reserva de Mamirauá

Certa vez, seguindo as informações que recebiam via satélite, os pesquisadores conseguiram chegar até uma árvore e observar uma onça descansando nos galhos, junto de um filhote. “Por serem predadores do topo da cadeia alimentar, eles não se sentem nem um pouco ameaçados com a nossa presença”, explica Ramalho. O filhote inclusive dormiu na frente da equipe de pesquisadores, o que demonstra que não há nenhum estresse do bicho com essa condição arbórea.

As onças passam dia após dia nadando de uma árvore para outra, em busca de alimento

Esse local ficava a 12 km de distância da área seca mais próxima. Isso indica que, de fato, as onças podem passar todo esse período da cheia – que pode durar entre três e quatro meses – sem pisar em terra firme.

Segundo Ramalho, as onças não ficam apenas nos galhos de uma única árvore. Elas, na verdade, passam dia após dia nadando de uma árvore para outra, em busca de alimento. O cardápio varia entre macacos e preguiças – exatamente animais que vivem dependurados nos galhos.

Esse comportamento nunca havia sido observado antes em nenhum felino de grande porte. Ponderava-se a possibilidade de que as onças-pintadas fossem para outras áreas secas durante o período de inundação – pois teriam assim mais facilidade na busca por alimento. A comprovação de que elas permanecem na floresta inundada ressalta a importância de preservar as várzeas da Amazônia. E conhecimentos sobre a ecologia da espécie e sobre seus hábitos auxiliam pesquisadores a propor estratégias de conservação mais adequadas e mais eficientes para esses grandes felinos.

Confira mais imagens da pesquisa

Gabriel Toscano
Ciência Hoje On-line

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