Um dinossauro cavador

Posso imaginar os leitores torcendo o nariz para o título desta coluna, com certo ceticismo: um dinossauro cavador?! Mas como alguém pode determinar se um fóssil de milhões de anos pertenceu realmente a uma espécie que cavava buracos na terra? A única maneira de se ter algum grau de certeza (além, claro, de usarmos uma improvável máquina do tempo) seria encontrar o próprio dentro de um buraco! E foi exatamente isso que a equipe de David Varricchio, da Universidade Estadual de Montana (EUA), encontrou em Lima Peaks, no município de Beaverhead, Montana.

Pode parecer brincadeira, mas não é. David e seus colegas coletaram restos de vertebrados fósseis em camadas da Formação Blackleaf, que se originou há 95 milhões de anos. As rochas indicam que, naquela época, a região era uma planície de inundação cortada por pequenos rios.
Os fósseis foram encontrados em uma estrutura totalmente diferente, que chamou a atenção dos pesquisadores. Para começar, os exemplares estavam em uma camada de arenito que cortava as camadas de argilitos – que são bem mais finos (veja a quarta figura ao lado). Além disso, a estrutura era arredondada e tinha uma curva bem marcada, com cerca de 2,10 metros de extensão e seção oval variando entre 30 e 38 cm. Ela era pouco inclinada horizontalmente, mas não formava um buraco vertical.

Existem poucas maneiras de interpretar essa feição. Duas eram as possibilidades: ou se tratava de uma estrutura feita pela compactação e deformação da rocha sedimentar ou então de uma estrutura de origem biológica – ou seja, feita pela ação de algum organismo.

Sem entrarmos em detalhes, todos os estudos geológicos feitos pela equipe de David argumentavam contra a primeira interpretação (origem da estrutura por compactação ou qualquer coisa parecida). Pelo contrário, tudo indicava que se tratava de uma cavidade feita por um organismo, que em um segundo momento foi inundada por um rio que existia naquela região há milhões de anos. Trocando em miúdos: era uma toca feita por algum animal.

O dono da toca
Determinada a origem da estrutura, faltava saber quem seria responsável por sua construção. O primeiro candidato é o próprio animal encontrado dentro da toca – no caso, três dinossauros! Não existe nenhum mecanismo conhecido que poderia explicar como dinossauros teriam parado dentro de uma cavidade como aquela.

Os animais encontrados pela equipe de David eram um espécime adulto e dois jovens de uma nova espécie batizada Oryctodromeus cubicularis – que poderia ser traduzido por algo como “o cavador corredor que vivia em tocas”. Esse novo dinossauro pertence ao grupo Ornithopoda, que reúne formas herbívoras. O indivíduo adulto atingia cerca de dois metros de comprimento e a largura de seu torso tinha em torno de 30 cm. É bom lembrar que atualmente há muitos animais, como uma espécie de hiena, que fazem buracos semelhantes.

Esse estudo, que acaba de ser publicado na revista Proceedings of the Royal Society B , tem implicações interessantes. Entre elas, está a confirmação de um novo modo de vida de um dinossauro. Já se pensava que alguns desses répteis podiam cavar a terra para buscar alimento ou confeccionar os seus ninhos. Mas cavar e eventualmente se abrigar em tocas era um hábito ainda não conhecido para os dinossauros.

Uma segunda implicação é a constatação de que os Oryctodromeus cubicularis adultos tinham grande cuidado com seus filhotes. A idéia de que os dinossauros tinham cuidado parental já havia sido proposta anteriormente, mas evidências diretas como a apresentada por essa nova descoberta – adulto e filhotes abrigados em uma toca – ainda não tinham sido registradas.

Outros cavadores?
Por último, o estudo levanta a hipótese de que outros dinossauros tenham se protegido em tocas de vez em quando. Com essa descoberta, os melhores candidatos seriam os parentes mais próximos de Oryctodromeus cubicularis , que são outras formas de ornitópodes pequenos como o Orodromeus ou o Zephyrosaurus – todos encontrados nos Estados Unidos.

É possível que esses três tipos de dinossauros pertençam a um grupo que poderia se abrigar em tocas. Naturalmente, essa hipótese só poderá ser confirmada se novos achados desses répteis forem feitos em condições que indiquem claramente que eles viviam nas tocas. Não é preciso sequer falar na dificuldade de se encontrar essas estruturas: se fósseis de dinossauros já são raros, dentro de tocas, então…

Uma última pergunta fica em aberto: como os três dinossauros foram preservados justamente em uma toca? Não se tem uma resposta exata de como isso ocorreu, mas só há duas explicações plausíveis. Ou os animais estavam doentes e não conseguiram fugir a tempo com a subida do rio ou então a inundação foi bem rápida, surpreendendo os três desafortunados.

De qualquer forma, são descobertas como essas que nos permitem conhecer um pouco da maneira como os animais do passado viviam. Precisamos prestar bastante atenção em nossas coletas no Brasil e nos preocupar não apenas com o fóssil, mas também com as rochas que o cercam – quem sabe algum dia não poderemos fazer uma descoberta parecida?

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
06/04/2007

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Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia

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Um livro infanto-juvenil para a divulgação da paleontologia do Brasil será lançado no dia 26 de abril (última quinta-feira do mês), às 19:30, na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro (rua Visconde de Pirajá, 572 – Ipanema). Escrito por este colunista e lançado pela editora Rocco, Na terra dos titãs relata a aventura de dois amigos – João e Marcelo – que participam de uma expedição à procura de dinossauros em Mato Grosso. Trata-se de um projeto pioneiro, no qual o autor mostra como é feita a pesquisa paleontológica de campo, baseado na experiência de uma expedição real. Os leitores da coluna estão convidados para o coquetel que será oferecido na ocasião.
Um estudo sobre concentrações de conchas de água doce recentes foi publicado pelos pesquisadores Carla Kotzian (Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul) e Marcello Simões (Universidade Estadual Paulista de Botucatu). O foco da pesquisa foram as conchas de gastrópodos e bivalves coletados em canais fluviais do riacho Touro Passo, em Uruguaiana (RS). Esse tipo de pesquisa, publicada na Revista Brasileira de Paleontologia , é de enorme valia, porque possibilita gerar modelos que podem ser aplicados a estudos sobre a formação de depósitos fossilíferos.
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