Um universo que surgiu com o Big Bang e, em milésimos de segundo, expandiu exponencialmente. Essa ideia, dominante no meio científico e conhecida como teoria da inflação, ganhou ainda mais força com o recente anúncio da provável detecção de ondas gravitacionais, marcas deixadas para trás por esse início violento. Mas a inflação não é a única resposta para os sinais observados; vários outros modelos cosmológicos menos populares buscam explicá-los.
O que cientistas do experimento BICEP2 detectaram foram pequenas alterações na chamada radiação cósmica de fundo, a luz mais antiga a se propagar no universo, liberada na época em que os primeiros átomos se formaram. Eles acreditam que esses rastros tenham sido deixados por ondas que se propagaram pelo espaço logo após o início da expansão do universo.
Ainda é cedo para saber se o sinal detectado pelo experimento é real ou se é efeito de alguma interferência. No entanto, mesmo que se confirme a descoberta, alguns cosmólogos defendem que as tais ondas gravitacionais não necessariamente tiveram origem em uma fase de expansão acelerada após o Big Bang. Para alguns deles, pode nem ter havido esse evento inicial.
Essa corrente, influente no Brasil e fortemente representada pelo físico Mário Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), acredita na ideia de um universo eterno – que não teve um começo, mas sempre esteve aí. A teoria, que ganhou fôlego nos anos 1970, abarca milhares de modelos diferentes para explicar a evolução do cosmos. Um deles é o chamado modelo de bouncing ou ricochete.
Segundo essa proposição, o universo primordial era grande e rarefeito, com matéria distribuída de modo irregular. Muito antes dos 14 bilhões de anos relativos ao momento em que se acredita que tenha ocorrido o Big Bang, esse universo teria começado a se contrair tão fortemente que poderia deixar de existir. Mas, por ter se tornado extremamente pequeno, ele passou a ser regido por efeitos quânticos que fizeram com que parasse de diminuir e sofresse um grande ricochete – esse sim há 14 bilhões de anos – que o levou a uma fase de expansão.
“No momento do ricochete, começou uma expansão inicialmente acelerada, assim como preveem os modelos inflacionários, mas que imediatamente desembocou em uma expansão desacelerada”, explica o físico do CBPF Nelson Pinto Neto.
De acordo com o pesquisador, esse modelo também prevê as ondas gravitacionais, mas elas teriam sido geradas em épocas remotas da fase de contração por flutuações de partículas do universo primordial que foram intensificadas durante essa fase.
A razão pela qual essa ideia não tem a mesma repercussão que a inflação? “A diferença é que há mais gente trabalhando com os modelos inflacionários e fazendo cálculos há mais de 30 anos, enquanto os cálculos dos modelos de bouncing são bem mais recentes”, diz. “Ainda temos muito que estudar sobre os modelos de bouncing e é possível que eles deem conta de tudo o que vem sendo observado.”
Universos possíveis
Os dados do experimento BICEP2 ainda precisam ser refinados e confirmados por outros experimentos, como o Planck, responsável pelo mais detalhado mapeamento da radiação cósmica de fundo já feito. O físico Jailson Alcaniz, do Observatório Nacional (ON), ressalta que, até que isso seja feito, não é possível apontar um cenário específico para o universo primordial. “Os dados do BICEP2 de maneira nenhuma confirmam ou descartam a inflação, mesmo que se comprove que foram gerados por ondas gravitacionais”, comenta.
Segundo o pesquisador, uma das teorias que também podem vir a ser confirmadas pelos resultados do BICEP2 depois de refinados é a de gases e cordas. Proposta em 1989 por Robert Brandenberger, essa linha cosmológica descreve o universo primordial como uma nuvem de gases quentes formada não por partículas, mas por cordas que vibravam.
Nesse cenário, não teria ocorrido a rápida expansão prevista pela inflação e as ondas gravitacionais poderiam ter sido formadas por uma fase de aquecimento e aumento de pressão do cosmos.
“O modelo da teoria de gases e cordas também prevê um sinal semelhante ao que foi detectado pelo BICEP2, com a diferença de que nos cálculos do modelo inflacionário espera-se que um parâmetro, chamado de sinal de índice espectral, seja negativo e, no modelo de cordas e gases, esse sinal seria positivo”, explica. “Como ainda não temos essa resposta, tudo está em aberto.”
As opções de teorias e modelos não param por aí; são vastas e até contraditórias. O ganhador do Nobel de Física Frank Wilczek, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), por exemplo, acredita que, se comprovados, os resultados do BICEP2 colocam em xeque justamente as teorias cosmológicas que envolvem cordas. Isso porque a maioria dos modelos desse tipo prevê ondas gravitacionais com muito menos energia do que as possivelmente detectadas pelo BICEP2.
Por outro lado, o Nobel não descarta teorias ainda mais controversas, como a do multiverso e a da inflação eterna, que advogam a existência de mais de um espaço sideral. “O multiverso é uma consequência natural da inflação”, disse em seu Twitter. “Não há nada de único no evento que chamamos de Big Bang e na inflação, eles podem ser reproduzíveis e acontecer de novo, e de novo, gerando vários universos.”
Que vença o melhor
Teorias cosmológicas não faltam, muito menos cientistas interessados em encaixar seus modelos nos dados observacionais que as suportam. A própria teoria inflacionária surgiu para compensar incongruências que o Big Bang sozinho não explicava. Hoje, existem milhares de modelos inflacionários ligeiramente diferentes que vêm sendo a todo momento aprimorados conforme novos dados de observação do espaço são obtidos.
Para o cosmólogo Raul Abramo, da Universidade de São Paulo (USP), em meio a tantas opções, a inflação ainda é a mais confiável. “O paradigma inflacionário é o mais simples e mais robusto que temos para explicar o universo”, diz. “São cálculos simples que funcionam em uma grande variedade de condições; mesmo com variações em alguns pontos, o resultado final é basicamente o mesmo. Ao contrário dos modelos alternativos, que exigem muitos mecanismos obscuros para se sustentar, o modelo inflacionário pode sofrer alterações de acordo com as observações e balançar um pouco, mas não cai.”
Abramo destaca ainda que a teoria da inflação foi capaz de prever várias observações feitas posteriormente, como pode ser o caso também das ondas gravitacionais. “Temos que lembrar que a inflação é o modelo mais aceito no mundo todo e com certeza há uma boa razão para isso”, afirma. “Em uma comunidade científica pequena como a do Brasil existem distorções; aqui, por algum motivo, estão concentradas pessoas que trabalham com modelos alternativos, mas isso não reflete a realidade mundial.”
O paradigma inflacionário, por sua vez, guarda alguns pontos fracos, como a chamada ‘questão da singularidade’. Segundo o físico Felipe Falciano, do CBPF, as contas das equações dos modelos inflacionários não fecham exatamente como esperado. Resultados estranhos surgem para a fase inicial de expansão do universo.
“Se formos andando para o passado do universo no modelo inflacionário, vamos nos dirigindo para estágios em que o universo era cada vez mais concentrado e chegamos a um momento para o qual as equações apontam quantidades infinitas de energia, densidade e temperatura, o que não condiz com uma teoria em que o universo tem um início”, diz Falciano. “Mesmo que a inflação venha a ser comprovada por métodos observacionais, esse paradigma não pode ser o final da história, pois ainda teremos que lidar com o problema da singularidade.”
O físico Nelson Pinto Neto vê o anúncio das prováveis ondas gravitacionais como uma oportunidade para os modelos alternativos que estuda e garante que ele e sua equipe vão trabalhar como nunca para apresentar cálculos consistentes. “Temos que focar nos detalhes e calcular que nem loucos até o final do ano para mostrar que os nossos modelos de bouncing se encaixam nas observações”, conta. “Essa é a nossa chance.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line/ RJ