Lixão internacional

Lixo coletado na Ilha do Mel (PR) é embarcado para análise
(fotos cedidas por Andressa R. Debiazio)

Catar conchinhas na areia da praia pode ser uma brincadeira divertida e saudável em qualquer época da vida. Era o que fazia a bióloga Andressa Rutz Debiazio, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), na Ilha do Mel, no litoral paranaense, quando encontrou uma garrafa de vodka russa. Um achado que poderia ser apenas uma curiosidade acabou sendo o ponto de partida para uma pesquisa que revelou a presença de uma expressiva quantidade de lixo estrangeiro na região.

 
No levantamento que embasou sua monografia, a bióloga encontrou 148 embalagens de metal, vidro, papel e plástico, oriundas de 42 países diferentes. Perfeitamente reciclável, esse material é atirado ao mar e, por ação das marés, acaba alcançando o litoral. De outubro de 2004 a maio deste ano, foram feitas dez coletas em pontos estrategicamente situados ao longo dos 22 km de costa da Estação Ecológica da Ilha do Mel (no total, a ilha tem 35 km de extensão). A origem dos produtos foi identificada pelo idioma usado nos rótulos e, principalmente, pelo código de barras, que segue uma tabela universal.
 
Os principais responsáveis pela sujeira podem ser navios de todas as partes do mundo que atravessam o Canal da Galheta em direção aos portos de Paranaguá e Antonina, no Paraná. “Não temos provas, mas são fortes os indícios de que o lixo venha de navios cargueiros e dos cruzeiros de turismo que passam pela costa, pois boa parte do material coletado estava em bom estado de conservação, tendo sido lançado às água havia pouco tempo”, afirma a bióloga. Em geral, os objetos que atravessam o oceano como pequenas naves flutuantes chegam à costa já bastante deteriorados.
 
As coletas revelam um desrespeito à legislação internacional que rege o tratamento do lixo em navios. “Se voltarmos na história, veremos que muitas epidemias foram disseminadas por essas embarcações”, lembra Debiazio. Por isso, conclui, o lixo estrangeiro deveria receber o mesmo tratamento dado ao lixo hospitalar.
 
Além de ser uma ameaça potencial à saúde pública, o lixo provoca sérios danos ambientais, como a morte de tartarugas marinhas por ingestão de plásticos, confundidos com algas, e a contaminação da água e da areia por resíduos tóxicos liberados pelas embalagens de inseticidas.
 
Vale destacar que, nos exemplos apontados, o lixo estrangeiro não é o maior vilão. Durante o estudo, a pesquisadora se surpreendeu com a quantidade de lixo brasileiro encontrado na reserva. De todo o material recolhido, cerca de 98% era de lixo nacional.
 
Debiazio afirma que o problema revelado em sua monografia não ocorre apenas no litoral paranaense, mas em toda a costa brasileira e possivelmente nas praias de vários outros países. A organização não-governamental Praia Local, Lixo Global já havia feito levantamentos semelhantes no litoral norte da Bahia e ofereceu decisivo apoio à pesquisadora paranaense durante a realização de seu trabalho.
 

Atualmente a bióloga da PUCPR dirige o projeto Que Lixo É Esse? , cujo principal objetivo é levar educação ambiental a escolas do litoral e das ilhas paranaenses. Ela pretende também buscar alternativas de aproveitamento do lixo recolhido na costa, visando criar uma fonte extra de renda para as comunidades da região que vivem exclusivamente da pesca.

Alexandro Kurovski
Especial para Ciência Hoje On-line/PR
15/11/05