O caiarara (Cebus kaapori), primata brasileiro naturalmente raro e bastante caçado, foi classificado como criticamente em perigo na lista vermelha da IUCN. Ele vive em uma área da floresta amazônica entre o Pará e o Maranhão que abriga espécies endêmicas cada vez mais ameaçadas de extinção, devido ao desmatamento e à fragmentação de hábitats (foto: Liza M. Veiga).
Uma em cada quatro espécies de mamíferos corre o risco de desaparecer do planeta. O dado alarmante faz parte de um novo levantamento feito pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A maior e mais completa avaliação já realizada até hoje sobre o status de conservação e a distribuição desse grupo de animais mostra que os mamíferos marinhos, em particular, enfrentam situação ainda mais grave: 36% das espécies estão ameaçadas de extinção.
O estudo compilou dados sobre taxonomia, distribuição, hábitat, tendência populacional, ecologia, ameaças, uso humano e medidas de conservação para todas as 5.487 espécies selvagens de mamíferos. O trabalho, realizado durante mais de cinco anos, é um esforço colaborativo de mais de 1.700 especialistas em 130 países.
O último levantamento desse tipo havia sido feito pela IUCN em 1996 e muitos de seus dados estavam obsoletos. Os resultados da nova avaliação serão publicados na Science desta semana, em artigo assinado por Jan Schipper, da IUCN e da Conservação Internacional, e outros 129 pesquisadores – três deles de instituições brasileiras.
“Nossos resultados pintam um triste retrato do status global de mamíferos no mundo”, dizem os autores no artigo. Segundo eles, 1.139 mamíferos estão ameaçados – o que representa 25% das espécies com dados suficientes para serem analisados –, sendo que 188 enfrentam uma probabilidade muito alta de extinção. Para 29 espécies, como o golfinho baiji (Lipotes vexillifer), o quadro é ainda pior: elas estão possivelmente extintas. O levantamento classifica também 323 mamíferos como quase ameaçados.
Além das espécies marinhas, os mamíferos de terra (incluindo os voadores e os de água doce) que vivem no Sul e Sudeste da Ásia enfrentam situação particularmente séria. Por exemplo, 79% dos primatas nessa região estão ameaçados de extinção. A ameaça também é grande nos Andes tropicais e em outras áreas que combinam alta riqueza de espécies, alto endemismo e alta pressão humana.
Os primeiros do ranking
Os ungulados, grupo que inclui os animais com casco nas patas, como os elefantes, estão entre os mamíferos mais ameaçados de extinção no mundo (foto: Alicia Wirz).
Os mamíferos que correm maior risco de extinção são os primatas e os ungulados (grupo que inclui os animais com casco nas patas, como hipopótamos, elefantes, girafas e porcos, e espécies que evoluíram a partir deles, como baleias e golfinhos).
No Brasil, os primatas também estão entre os mamíferos mais ameaçados – ao lado dos carnívoros. “Quase 30% dos primatas e 35% dos carnívoros têm risco de desaparecer do Brasil”, diz à CH On-line uma das autoras do artigo, a primatóloga Liza Veiga, do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Segundo Veiga, as espécies brasileiras de primatas mais ameaçadas são as da mata atlântica, bioma que foi totalmente fragmentado e hoje ocupa menos de 10% de sua cobertura original. “Infelizmente partes da Amazônia estão seguindo o mesmo caminho, especialmente na região do arco do desmatamento”, lamenta. E completa: “Dos 72 primatas conhecidos na Amazônia, pelo menos um terço enfrenta algum grau de ameaça.”
Os autores dizem que as famílias de mamíferos mais ameaçadas são dominadas por espécies de grande porte, enquanto as menos ameaçadas incluem pequenos animais, como roedores e morcegos. Isso ocorre porque as espécies grandes têm densidade populacional menor e ciclo de vida maior, além de necessitarem de áreas maiores para viver e serem mais caçadas, o que as torna mais sensíveis ao desmatamento e à fragmentação de hábitats.
Segundo o levantamento, a perda de hábitat, a caça e a extração excessiva de recursos são as principais causas de ameaça aos mamíferos em terra. Para as espécies marinhas, os vilões são a poluição, a mortalidade acidental e a pesca.
O estudo aponta ainda que 52% das espécies estão vivendo declínio populacional, o que indica que o grau atual de ameaça aos mamíferos deve piorar em um futuro próximo, caso não sejam colocadas em prática ações de conservação apropriadas. A boa notícia – para não dizer que não existe alguma – é que pelo menos 5% das espécies atualmente ameaçadas estabilizaram ou aumentaram suas populações.
Os dados podem ser usados para apoiar ações de conservação, que, segundo os pesquisadores, poderiam levar à recuperação das espécies. Entre as medidas necessárias, Veiga aponta a implementação de áreas protegidas e de ações de conscientização sobre o problema junto às populações locais.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
06/10/2008