Mamute tem genoma reconstituído

Montagem mostra uma molécula de DNA e um mamute lanoso preservado no gelo (arte: ExhibitEase LLC – Steven W. Marcus).

Uma equipe de cientistas russos e norte-americanos conseguiu um feito que, até alguns anos atrás, pertencia ao domínio da ficção científica. A partir de amostras de DNA preservadas em pêlos congelados, eles conseguiram seqüenciar a maior parte do genoma do mamute, parente dos elefantes modernos que se extinguiu no final do Pleistoceno, há pouco menos de 10 mil anos.

O seqüenciamento foi feito a partir do pêlo de diferentes espécies desse grupo – a grande maioria pertencia ao mamute lanoso (Mammuthus primigenius). A seqüência descrita em artigo publicado na Nature desta semana tem lacunas, mas cobre quase 80% do genoma, segundo as estimativas dos autores, coordenados por Stephan Schuster, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA).

O genoma mitocondrial do mamute, presente em uma pequena organela no citoplasma celular, já havia sido parcialmente seqüenciado em 2006. Mas o desafio nem se comparava ao soletramento do genoma nuclear desse animal, presente em seus cromossomos – estamos falando aqui de praticamente 5 bilhões de pares de bases, ou quase uma vez e meia o tamanho do genoma humano.

Entre os obstáculos enfrentados pela equipe, estavam a contaminação pelo DNA de outros organismos e a grande fragmentação das seqüências preservadas – algumas das amostras usadas tinham até 100 mil anos. O feito só foi possível graças à combinação de quatro métodos de seqüenciamento de DNA, alguns dos quais são capazes de soletrar seqüências curtas, com poucas dezenas de pares de bases.

A análise dos resultados permitiu aos cientistas identificar genes compartilhados com os elefantes modernos e ajudará a entender a evolução desse grupo. Segundo os autores, a diferença genética entre mamutes e seus primos contemporâneos é de apenas 0,6%, ou metade daquela que separa o Homo sapiens do chimpanzé.

Parque Pleistocênico?

O genoma do mamute foi obtido a partir de amostras de DNA preservadas em pêlo congelado (foto: S.C. Schuster).

Diante desse feito, é impossível não pensar na obra do escritor norte-americano Michael Crichton, morto no início do mês. Ele é o autor de Parque dos Dinossauros, livro em que cientistas conseguem reviver répteis pré-históricos a partir de amostras de DNA preservadas em âmbar. Mas esse cenário ainda é pura ficção diante das limitações da ciência atual, como mostra um artigo publicado na mesma edição da Nature pelo divulgador de ciência Henry Nicholls.

Segundo ele, para se conseguir reviver uma espécie extinta a partir de sua seqüência genômica, é preciso, no mínimo, dominar os seguintes passos: definir a seqüência exata que se quer usar para criar o animal; sintetizar um conjunto de cromossomos a partir dessa seqüência; envolvê-los em um envelope nuclear; transferir o núcleo para um ovo capaz de sustentá-lo; e levar o ovo a um útero em que a gestação possa ser levada a termo. “E nenhum desses passos é atualmente possível”, conclui Nicholls.

É preciso, portanto, nutrir expectativas mais modestas. O grupo que seqüenciou o DNA do mamute espera que, quando forem conhecidos com mais detalhes os genomas dessa espécie e do elefante africano moderno, seja possível apontar diferenças genômicas por trás de fatores como a adaptação ao frio ou mudanças de dieta. “O seqüenciamento do genoma de espécies extintas talvez possa identificar fatores genéticos que afetaram a extinção”, especulam os autores no artigo.

Em comentário sobre o estudo publicado na mesma edição da Nature, Michael Hofreiter, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, lembra que os dados obtidos serão muito importantes em médio prazo. “No futuro, nossa tarefa será entender quais diferenças na escala da seqüência genômica estão por trás das diferenças fenotípicas entre um mamute e um elefante, ou entre um humano e um neandertal, e os genomas cuidadosamente anotados trarão a base essencial para isso”, destaca.

Bernardo Esteves   
Ciência Hoje On-line
19/11/2008