Um novo modelo matemático virtual desenvolvido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, ajuda a compreender melhor a dinâmica da dengue em grandes cidades.
O estudo, publicado no periódico PLoS Neglected Tropical Diseases, aponta os principais fatores associados à manutenção da doença e demonstra que uma epidemia é possível mesmo com poucas residências alojando o Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença.
No lugar das equações diferenciais, geralmente empregadas em estudos epidemiológicos, o SET Model, como foi batizado o modelo, leva em conta fatores de tempo e espaço.
“Com esse modelo podemos saber não somente quantos humanos e mosquitos infectados existem a cada dia, mas também, onde e quando eles se infectaram”, afirma a matemática Líliam de César de Castro Medeiros, do Inpe.
Para simular a disseminação do vírus, os pesquisadores identificaram três principais elementos que influenciam a sua circulação. O primeiro é a mobilidade humana. O estudo mostrou que a movimentação de pessoas na cidade determina a duração de uma epidemia.
Quanto mais pessoas circulam por ambientes diferentes, mais rápida é a disseminação da doença, pois maior é a chance de um mosquito picar alguém infectado e contrair o vírus da dengue. Isso significa que os lugares públicos são os principais pontos de disseminação da dengue.
“Não é o vetor que espalha a doença rapidamente em diferentes pontos da cidade, mas as pessoas se movimentando”, afirma a pesquisadora. “Se fosse possível o isolamento de todas as pessoas infectadas, mesmo aquelas com sintomas fracos, as epidemias seriam mais facilmente controladas.”
Doença silenciosa
O segundo fator determinante é a presença de doentes sem sintomas que continuam suas atividades diárias sem saber que estão infectados. Segundo Medeiros, uma pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, realizada em alguns bairros de Recife, mostrou que 65% das pessoas infectadas no estado não apresentavam qualquer sinal da dengue.
O terceiro elemento que influencia na manutenção da dengue é a taxa de renovação humana, que é a combinação da quantidade de nascimentos, mortes, imigração e emigração. O modelo demonstrou que esse valor não interfere na duração da epidemia de dengue.
“Logo que um caso de dengue dá início a um surto, a curva epidêmica sobe aceleradamente e depois cai permanecendo em níveis baixos”, explica Medeiros. “Nesse momento a mobilidade das pessoas afeta a amplitude da onda epidêmica, mas a renovação da população não faz diferença.”
No entanto, depois que o surto termina, é a renovação da população que possibilita uma nova epidemia. A introdução de pessoas saudáveis e suscetíveis à doença faz com que o vírus continue a circular.
A pesquisa também revelou que se o índice de infestação predial de um bairro – porcentagem de prédios com mosquitos transmissores – for menor do que 10%, a doença para de circular. Se for acima desse limite, a dengue pode permanecer no bairro e contribuir para novas epidemias na cidade.
“Quanto maior a população de uma cidade, menor é quantidade necessária de bairros infestados com mosquitos para manter a doença continuamente por vários anos”, afirma Medeiros. Isso explicaria por que a dengue persiste nas grandes cidades enquanto afeta menos as cidades pequenas.
Contagem inadequada
A partir desses resultados, os pesquisadores identificaram um erro nas estatísticas oficiais de infestação predial no Recife. Os dados de 2004 da vigilância epidemiológica local indicavam que o índice de mosquitos na cidade era quase zero e mesmo assim a dengue continuava a circular.
“Pelo nosso modelo isso seria impossível”, afirma a pesquisadora.
A origem da discrepância está na metodologia usada pelo governo para medir a presença do mosquito, baseada na contagem de larvas. Segundo Medeiros, essa técnica não é a mais adequada, pois disfarça o índice de infestação.
“As larvas não são fáceis de coletar, elas se escondem rapidamente ou vão para o fundo da água de modo que o agente não percebe a sua presença”, explica.
Apesar de ser o método mais utilizado em todo o mundo, a pesquisadora aponta que já existem alternativas melhores, como o monitoramento do vetor pela contagem dos ovos em armadilhas que atraem o mosquito.
Esses dispositivos, chamados de ovitrampas, além de garantirem a contagem do vetor, matam as larvas, diminuindo a população do mosquito.
O próximo passo do estudo, já em andamento, é criar um modelo que utilize informações climáticas, sociais e geográficas de uma cidade real, no caso, a cidade paulista Caraguatatuba.
“Integrando parâmetros reais com simulação computacional, vamos conseguir uma visão mais ampla dos possíveis cenários de disseminação da dengue”, conclui Medeiros.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line