Meio ambiente perde a primeira batalha

Depois de muita polêmica, a Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite, com 410 votos a favor, 63 contra e apenas uma abstenção, o relatório do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o Código Florestal. Agora, o texto segue para o Senado, onde ainda pode sofrer mais mudanças.

O relatório aprovado determina que a União, os estados e o Distrito Federal, por meio do Programa de Regularização Ambiental, serão os responsáveis por definir as regras que dirão se um determinado proprietário de terra está ilegal ou não por ter desmatado áreas proibidas.

A Câmara dos Deputados aprovou, com 410 votos a favor, 63contra e apenas uma abstenção, o novo Código Florestal

O proprietário que cumprir as exigências do programa será anistiado; quem não cumprir precisará pagar multas retroativas. Para o biólogo e colunista da CH On-line Jean Remy Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa foi uma medida tomada para enfraquecer a fiscalização do governo federal sobre as irregularidades relacionadas ao desmatamento.

“Os estados não têm a menor condição de legislar sobre essa questão”, diz Guimarães. “Como eles [os responsáveis pelo texto] acham que a estrutura federal é mais rigorosa, estão passando a bola para os estados.” Muitos ambientalistas e estudiosos acreditam que a medida vai incentivar uma flexibilização das regras nos estados interessados em atrair mais investimentos.

O texto aprovado também legaliza a criação intensiva de gado e as plantações já existentes de fumo, cana-de-açúcar e algumas espécies frutíferas – como a uva, o café e a maçã – em encostas e topos de morros com mais de 25 graus de inclinação, zonas consideradas áreas de preservação permanente (APPs).

Já quem desmatou nas APPS que protegem as margens de rios vai precisar recuperar apenas 15 metros de largura de vegetação e não 30 metros, como exige a lei ainda em vigor.

Segundo Guimarães, permitir a retirada da cobertura vegetal em morros, encostas e beiras de rios é “um assassinato” para a biodiversidade do Brasil. Por se tratar de um país com altos índices de precipitação (chuvas), essa medida pode provocar deslizamentos de terra, assoreamento dos rios e a infertilidade dos solos.

Desmatamento em encosta
O novo código legaliza regiões já desmatadas para criação de gado e plantação em encostas e topos de morros com mais de 25 graus de inclinação, zonas consideradas áreas de preservação permanente. (foto: Ana Cotta/ CC BY 2.0)

O projeto aprovado também libera os pequenos produtores, aqueles cuja terra tem até quatro módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, variando em cada município), de reflorestar o que já foi desmatado além do permitido e invadiu a chamada reserva legal, área de vegetação nativa que deve ser preservada em uma propriedade rural.

O projeto aprovado libera os pequenos produtores de reflorestar o que já foi desmatado

Os grandes proprietários ficam obrigados a restaurar as áreas desmatadas dentro de reservas legais, mas estão livres para fazer o reflorestamento em outros biomas, fora do estado onde suas terras estão localizadas.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que já havia se manifestado contra o novo projeto do Código Florestal, vê esse ponto com ressalva.

Segundo um documento divulgado na página da instituição, a proposta de compensação da reserva legal fora do bioma original não deveria ser aceita nos casos em que a propriedade desmatada tem função ecológica ou está localizada em uma área imprópria para agricultura.

Emenda do perdão

Para colocar ainda mais lenha na fogueira, os deputados também aprovaram a emenda 164, criada pelo deputado Paulo Piau (PMDB-MG) e que legaliza todas as atividades rurais em áreas de APPs consolidadas até julho de 2008, o que significa que quem desmatou até essa data está livre de punições.

A emenda também abre o precedente para a destruição de mata nativa ao redor de nascentes em APPs em “casos de utilidade pública e em áreas onde a função ecológica esteja comprometida.”

A emenda legaliza todas as atividades rurais em áreas de APPs consolidadas até julho de 2008

O biólogo Jean Remy Guimarães acredita que a aprovação do código vai provocar uma corrida ainda maior pelo desmatamento, fato que já havia sido destacado por meio de um ofício assinado pelo secretário do meio ambiente de Mato Grosso, Alexander Torres Maia.

O documento, enviado para o Ministério do Meio Ambiente nesta semana, alerta que o Código Florestal provocou um aumento do desmatamento no Mato Grosso ao disseminar a ideia de que os desmatadores seriam anistiados.

Por causa do ofício, a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, enviou uma carta aos funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pedindo um aumento na fiscalização do desmatamento na Amazônia.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Mato Grosso concentrou, somente em março e abril, 81% dos 593 quilômetros quadrados de desmatamento registrados em toda a Amazônia neste ano.

Mapa do desmatamento na Amazônia
Depois de anunciado o relatório do novo Código Florestal, a derrubada de árvores na Amazônia cresceu 27%, como ilustrado pelos pontos amarelos no mapa. O estado do Mato Grosso foi o mais prejudicado, com um aumento de 47% no desmatamento de março a abril. (imagem: Inpe)

Os líderes do governo se dizem insatisfeitos com a anistia dada aos desmatadores e pretendem incluir no projeto, quando este chegar ao Senado, uma cláusula que obrigue os pequenos produtores a reflorestar o que foi desmatado, desde que essa porção não ultrapasse 20% de sua propriedade.

Os líderes do governo se dizem insatisfeitos com a anistia dada aos desmatadores

Para Jean Remy Guimarães, isso não seria suficiente. “Tudo nesse código é preocupante: o encaminhamento que ele está tendo e principalmente o fato de ele ser redigido pelo setor interessado sem consulta aos cientistas”, avalia.

“A melhor evidência do que significa esse Código Florestal é a morte do casal de ambientalistas em uma emboscada no Pará”, diz o biólogo. “Eles já estavam ameaçados há três anos e foram mortos justamente agora. Certamente é uma mensagem que deixa claro como são resolvidas as coisas no país.”

Os ambientalistas José Claúdio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, líderes do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, foram assassinados a tiros na manhã de ontem em uma emboscada em Maçaranduba, no sudoeste do Pará. Em pronunciamento sobre o crime, a presidente Dilma Rousseff pediu que a Polícia Federal o investigue.

Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line