Cerca de 500 mil novos casos de câncer são estimados para este ano no Brasil, segundo a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer. As tentativas de controlar a doença, embora tenham avançado nos últimos anos, ainda esbarram na gravidade dos efeitos colaterais provocados. Principal obstáculo no tratamento do câncer, esses efeitos estão agora sob a mira de pesquisadores brasileiros que buscam reduzi-los usando nanotecnologia.
Um novo sistema capaz de liberar o medicamento usado em quimioterapias na veia do paciente de forma muito mais lenta que a convencional, o que prolonga sua ação no organismo, foi testado com sucesso em roedores. A pesquisa foi realizada durante o doutorado da farmacêutica Thalita Pedroni Formariz na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara.
Essa liberação mais lenta deve-se ao fato de o sistema, formado por moléculas de água e óleo, incorporar o fármaco em escala nanométrica (um bilhão de vezes menor que o metro). O resultado é uma mistura líquida, diferentemente do dispositivo de liberação convencional, em pó. O estudo, laureado com o Prêmio Capes de Tese 2009, foi orientado pelo professor Anselmo Gomes de Oliveira e co-orientado pela professora Rosangela Gonçalves Peccinini.
Formariz explica que, ao prolongar o tempo de absorção do fármaco no organismo do paciente, o sistema de microemulsões lipídicas – como foi chamado – poderia reduzir a quantidade de doses administradas e, em consequência, a intensidade dos efeitos adversos da quimioterapia nas células sadias.
“Enquanto a quimioterapia acontece uma vez por semana, esse sistema poderia reduzir seu número de sessões, por exemplo, a uma vez por mês”, exemplifica Formariz.
Colesterol como aliado
O alto número de doses do fármaco durante o tratamento não é, no entanto, o único responsável por seus graves efeitos colaterais. A incapacidade de o medicamento diferenciar as células sadias das tumorais, o que resulta na chamada ação sistêmica da quimioterapia, é também causa das reações adversas.
Para superar essa limitação, os pesquisadores propuseram que o sistema combinasse a nanotecnologia com o uso de estruturas lipídicas capazes de direcionar o máximo possível a ação do medicamento para as células tumorais.
“Sugerimos o colesterol para acelerar a destruição das células cancerosas”, diz Formariz. A pesquisadora explica que, como as células tumorais se dividem mais rapidamente, elas requerem maior quantidade de colesterol livre que as células sadias para a síntese de sua membrana durante a divisão celular.
Por ser rico em colesterol, o medicamento tende a ser mais requisitado pelas células cancerosas, o que diminui sua potencial ação tóxica para as células sadias e, consequentemente, os efeitos colaterais.
Toxicidade reduzida
“Com base no teste pré-clínico, podemos sugerir que o sistema consegue concentrar a ação do fármaco nas células cancerosas e, com isso, reduzir efeitos tóxicos para o coração e o fígado”, conta Formariz. O estudo mostra que a toxicidade diminuiu cerca de 60%, enquanto a eficiência do remédio aumentou quase cinco vezes.
Os pesquisadores pretendem agora empregar marcadores tumorais para comprovar a ação seletiva do tratamento. “Com os resultados desse trabalho, foi possível sugerir que o sistema direciona o fármaco para as células tumorais, mas isso só será provado com o uso de marcadores para identificar as células atingidas”, ressalta.
Sobre os potenciais riscos da nanotecnologia para os seres vivos, Formariz destaca que ela é uma técnica segura, já aplicada em diversas áreas pela indústria farmacêutica. Mas a pesquisadora reconhece que a esterilização do sistema para uso em seres humanos ainda é uma questão que precisa ser avaliada.
Essa, no entanto, é uma discussão que depende do sucesso da próxima etapa, que é estender o teste pré-clínico para cães. “Temos grandes expectativas de que esse estudo represente uma alternativa para a terapia do câncer”, pondera.
Carolina Drago
Ciência Hoje On-line