Menos violência, mais ciência

Em 1976, o biólogo Martin Moynihan fotografou o que acreditava ser uma nova espécie de macaco zogue-zogue, na Amazônia colombiana. Era possível perceber que faltava a faixa branca característica das outras espécies do gênero naquele animal, e tudo indicava que ele figurava uma nova descoberta.

No entanto, foi apenas este ano que a existência dessa nova espécie de zogue-zogue foi oficializada aos olhos da ciência pelos biólogos Thomas Defler, Marta Bueno e o estudante Javier García, todos os três vinculados à Universidade Nacional da Colômbia. O Callicebus caquetensis foi descrito em um artigo publicado em agosto no periódico Primate Conservation [PDF].

O animal é amigável e de fácil adestramento. Do tamanho de um gato, ele até ronrona

García encontrou muitos dos requisitados zogue-zogues sendo criados como animais de estimação de habitantes de fazendas na região Caquetá. O animal é muito amigável e de fácil adestramento. Do tamanho de um gato, ele até ronrona.

E, veja só, de acordo com a observação dos pesquisadores, a espécie é monogâmica e chega a guardar lugar para a companheira sentar-se a seu lado, no que difere das demais espécies de seu gênero.

A população local conhece o macaco principalmente pela particularidade de seu chamado, mas não sabia que ele era novo para a ciência. De acordo com as informações coletadas pelo estudante, o Callicebus caquetensis está em grave risco de extinção.

Estima-se que haja apenas cerca de 500 deles, mas só um estudo mais profundo pode calcular ao certo este número. O macaco é ameaçado pela grande fragmentação de seu hábitat, causada pela atividade agrícola na região. Thomas Defler espera que, com sua pesquisa, possa pleitear a criação de um reserva dedicada ao animal.

Confira no vídeo abaixo imagens e sons da nova espécie de macaco

 

Guerrilhas no caminho

Mas, afinal, por que os cientistas demoraram 34 anos para encontrar o zogue-zogue fotografado por Martin Moynihan quando já se sabia até onde encontrá-lo? A explicação não tem nada a ver com ciência, e sim com a guerrilha.

As Farc criaram um obstáculo para pesquisadores que sonham em estudar a Amazônia colombiana

Desde que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) entraram em cena no país, em 1964, criaram um obstáculo poderoso para os pesquisadores que sonham em conhecer a fundo a biodiversidade mais rica do planeta.

 “O conflito com as guerrilhas é sempre algo a ser considerado por qualquer pesquisador colombiano ou estrangeiro [na Colômbia]. Eu pessoalmente tive experiências muito ruins”, revela Defler à CH On-line.

Caquetá, Colômbia
O mapa mostra o departamento de Caquetá, na Colômbia, onde foi descoberto o novo zogue-zogue. Por conta da atividade agrícola, seu hábitat é progressivamente fragmentado, tornando-o ainda mais vulnerável à extinção (arte: Wikimedia Commons).

O cientista norte-americano conta ter sido expulso por cinco guerrilheiros armados em 1998 de sua estação de trabalho na reserva de Caparú – que ele ajudara a fundar em 1983, na região sudeste da Amazônia colombiana.

Forçado a entrar em uma canoa sob a mira de uma arma, ele teve que abandonar todo seu material de trabalho – inclusive os macacos que estudava.

“Eu não sabia o que fazer! Meus macacos estavam lá. Aqueles eram meus filhos!”, desabafou o primatólogo em depoimento ao repórter Kirk Semples em uma reportagem publicada em 2000 na revista Audubon.

Na fuga, o pesquisador se embrenhou pela floresta, onde permaneceu por três dias. Dormia escondido enquanto estava claro e andava à noite, até que conseguiu chegar a um posto militar brasileiro na fronteira da Colômbia com o Brasil.

De lá, retornou de avião a Letícia, onde lecionava na Universidade Nacional da Colômbia. Novo choque: os guerrilheiros não haviam se limitado a achacá-lo na floresta, como também destruíram seu escritório, levando todos os seus equipamentos e queimando livros, arquivos e trabalhos a que se dedicava havia anos.

 

O jovem estudante

Macacos zogue-zogue
O que diferencia o macaco zogue-zogue recém-descoberto fisicamente dos outros de seu gênero é a falta da faixa branca acima dos olhos (arte: Stephen D. Nash / Conservation International – reprodução / Primate Conservation).

Depois das péssimas experiências com expedições na Colômbia, Thomas Defler não abandonou o país, mas limitou suas experiências de campo. Ele credita ao ex-presidente colombiano Alvaro Uribe a melhora das condições de segurança de muitas partes da Colômbia, mas não foi esse o motivo que o fez sair em busca do novo zogue-zogue.

Segundo Defler, o que realmente fez a diferença para a condução do estudo que levou à nova descoberta foi a presença do jovem estudante de graduação Javier García. Natural de Florência, capital do departamento de Caquetá, foi García quem fez as expedições e avistou os primeiros espécimes do novo macaco.

“Ele confiou nos contatos que seu pai fez durante os 25 anos em que trabalhou como veterinário em Caquetá. Isso é muito importante, já que a guerrilha suspeita imediatamente que desconhecidos sejam espiões para o exército colombiano”, conta Defler.

Agora, García continua a viajar para o sul de Caquetá para juntar informações sobre a espécie. Espera entrar em um programa de mestrado para escrever sua dissertação sobre o zogue-zogue Callicebus caquetensis.

Manuela Andreoni
Ciência Hoje On-line