Um novo sistema não cirúrgico de monitoramento da pressão intracraniana poderá substituir, com vantagens, o método atualmente em uso. Em fase de certificação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a técnica consiste na colocação de chips sobre a cabeça do paciente. Hoje, os sensores são introduzidos cirurgicamente no crânio do indivíduo.
Desenvolvido pelos pesquisadores Sérgio Mascarenhas Oliveira e Gustavo Henrique Frigieri, ambos do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC/USP), o sistema externo de chips transmite, em tempo real, sinais elétricos de deformação craniana a um monitor.
Para desenvolver o método não invasivo, Mascarenhas precisou provar que a caixa craniana é deformável, diferente do que a literatura científica afirmava. A partir de informações sobre a deformação óssea do crânio, que pode ser medida diretamente sem cirurgia, é possível medir indiretamente a pressão intracraniana do indivíduo.
Isto porque as mesmas variáveis – alterações do volume de sangue, do líquido cefalorraquidiano (fluido que protege o córtex cerebral) e da massa encefálica – provocam a elevação da pressão e as mudanças nas dimensões cranianas.
O sistema não invasivo evoluiu de outro minimamente invasivo. Se aquele dispensa qualquer procedimento cirúrgico, este instala um chip subcutâneo, abaixo da pele que envolve o crânio. No entanto, o princípio é o mesmo: sem cortes profundos, um sensor monitora a pressão intracraniana a partir de sinais de deformação.
“Trata-se de uma cirurgia muito rápida e simples, de apenas cinco minutos”, explica Mascarenhas. “Nos procedimentos atuais, é preciso perfurar o crânio, o que pode gerar uma série de inflamações.” O método minimamente invasivo também aguarda certificação da Anvisa.
Complementares e vantajosas
Orientado por Mascarenhas, Frigieri já testou as novas técnicas em animais e humanos, com respostas positivas para ambos.
No início do seu doutorado no IFSC/USP (2007-2008), usou a monitoração minimamente invasiva em animais de pequeno e médio portes, ora analisando a resposta do equipamento à variação da pressão intracraniana nos bichos, ora comparando os dados obtidos aos gerados pelo sistema invasivo tradicionalmente usado.
Entre 2009 e 2011, o mesmo sistema foi testado em 10 pacientes com traumatismo cerebral internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Em janeiro deste ano, Frigieri, agora no pós-doutorado, testou o método não invasivo em 20 indivíduos saudáveis, também com bons resultados.
Segundo os pesquisadores, os dois métodos poderão ser utilizados de forma complementar. A técnica não invasiva deve ser usada em diagnósticos imediatos, como no caso de traumas resultantes de acidentes de automóveis.
Já o minimamente invasivo é mais adequado à monitoração de longo prazo, isto é, para acompanhar durante algum tempo pacientes em tratamento intensivo, como vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), hidrocefalias ou de tumor cerebral.
Além de evitar infecções graves resultantes dos cortes cirúrgicos, as duas técnicas apresentam vantagens econômicas. “Tanto o monitor quanto o sensor sairão muito mais baratos do que os similares invasivos”, afirma Frigieri.
Os métodos já foram patenteados no Brasil e, depois de certificados pela Anvisa, serão produzidos em escala industrial pela empresa Brain Care, criada por Mascarenhas. Segundo ele, o Ministério da Saúde já mostrou interesse em comprar os equipamentos.
Motivação pessoal
Por trás das novas técnicas, uma motivação pessoal: aos 79 anos, Mascarenhas precisou se submeter a uma cirurgia para medir sua pressão intracraniana. Resultado: o físico foi diagnosticado com hidrocefalia de pressão normal, uma doença rara ligada à dificuldade de absorção do líquido cefalorraquidiano.
Incomodado com a violência do exame, começou a idealizar um método que dispensasse a perfuração do crânio. Os primeiros experimentos foram realizados no final de 2006 em sua própria cozinha.
Com um balão de festa, um crânio, um aparelho de pressão doméstico e um manômetro – equipamento usado para detectar deformações em vigas –, o físico constatou que, de fato, o crânio é deformável. “Foi importante porque percebi que estava no caminho certo”, relembra Mascarenhas.
Leandro Morgado
Ciência Hoje On-line