Muito antes dos portugueses, alemães, italianos…

Fragmentos de cerâmica localizados no vale do rio Canoas (SC) com resíduos carbonizados de milho datados de 4.320 a 340 anos atrás 
(fotos: Cláudia Reis / Unisul)

Descobertas arqueológicas ocorridas recentemente no município catarinense de Campos Novos, a aproximadamente 350 km de Florianópolis, trazem novas informações sobre o processo de ocupação do sul brasileiro em tempos remotos. Fragmentos de cerâmica encontrados no baixo vale do rio Canoas revelaram a existência de resíduos carbonizados de milho datados de 4.320 a 340 anos atrás.

 

Essa datação é a primeira evidência concreta de que há mais de 4 mil anos os povos da região já eram agricultores, uma vez que o milho, que é cultivado, fazia parte de sua dieta alimentar. A comprovação se deu a partir da análise de isótopos estáveis de 13/12C (carbono 13 e 12) e de 15/14N (nitrogênio 15 e 14) em incrustações do fundo de recipientes cerâmicos. As análises foram realizadas pelo Laboratório Beta Analytic de Datação por Radiocarbono, na Flórida, Estados Unidos.

 

“Essa é a primeira prova arqueológica de que a população da região já se organizava em um sistema socioeconômico mais complexo do que o sistema caçador-coletor, essencialmente nômade”, afirma o antropólogo Marco Aurélio Nadal De Masi, coordenador do Laboratório de Antropologia Cultural e Arqueologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e responsável pelas pesquisas. O cultivo de plantas é um estágio de civilização mais complexo e indica que as pessoas permaneciam mais tempo em determinadas áreas, cultivando a terra para dela também tirar seu sustento.

 

A descoberta comprova uma hipótese que vinha sendo levantada pela equipe da Unisul desde 2000 na área de implantação da usina hidrelétrica de Campos Novos, no rio Canoas. Como toda obra de grande porte, o projeto previa estudos para determinação de impactos sobre o meio ambiente, que inclui o patrimônio arqueológico.

 

Copo e tigela, possivelmente parte de oferendas funerárias. Estes são alguns dos milhares de objetos encontrados durante as pesquisas que estão sendo feitas desde 2000 na região do rio Canoas e que já resultaram na identificação de 240 sítios arqueológicos

Na ocasião, foram identificados 240 sítios arqueológicos e coletadas milhares de peças, desde fragmentos minúsculos até pedaços maiores de objetos, muitos deles utilitários, como potes, vasos e instrumentos de pedra. Foram encontrados também objetos de argila e estatuetas, considerados oferendas ritualísticas. Esse material foi resgatado de uma aldeia de superfície, e a datação mais antiga que se conseguiu foi de 5 mil anos atrás.

 

A nova datação provém de uma estrutura chamada pelos arqueólogos de casas subterrâneas. Além das aldeias de superfície e das estruturas subterrâneas, existem outras categorias de sítios arqueológicos, como os centros cerimoniais (onde se realizavam ritos de passagem e funerários), cemitérios, áreas de roça e acampamentos de caça. Essa variedade de sítios também aponta para um sistema social mais complexo do que o dos povos caçadores-coletores.

 

Segundo De Masi, esses indícios permitem repensar a hipótese atualmente aceita de ocupação do sul do Brasil por povos pré-históricos. Acredita-se por ora que a região onde hoje se localiza o estado de Santa Catarina tenha sido ocupada por levas de grupos Jês vindas do Brasil central há aproximadamente 1.800 anos. As descobertas ocorridas no baixo vale do rio Canoas recuam essa migração para o sul em 5 mil anos (ver ‘A ocupação de Santa Catarina’).

 

As milhares de peças coletadas nos sítios arqueológicos serão depositadas em museus que estão sendo criados nos municípios catarinenses de Celso Ramos, Abdon Batista, Anita Garibaldi e Campos Novos. “Esse valioso acervo abre inúmeras possibilidades de pesquisa no campo da arqueologia, que podem até mesmo levar a novas hipóteses de ocupação do sul do país em tempos remotos”, ressalta De Masi.

 

A ocupação de Santa Catarina

 

Restos de fogueiras encontrados na região de Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina, são os vestígios mais antigos da ocupação humana no estado, datados de 8.640 anos. Esses vestígios revelam, para historiadores e arqueólogos, um povo caçador-coletor, que vivia da pesca, da caça e da coleta de raízes e frutas, cujos objetos fabricados eram de pedra lascada e polida. Essa cultura é denominada pelos arqueólogos de Tradição Humaitá.

 

Já as cerâmicas localizadas no Planalto Meridional com datações que vão de 5 mil até 300 anos atrás são de uma cultura que se convencionou chamar de Tradição Taquara, considerada ancestral dos atuais índios Xoklengs e Kaingangs (Jês do sul).

 

No litoral, há vestígios datados de 5.020 e 1.200 anos atrás de povos pescadores coletores denominados sambaquianos e de povos pertencentes à Tradição Itararé (Tradição Taquara no litoral sul), respectivamente. Vestígios dos povos Tupi-Guarani – que, vindos da Amazônia, habitaram o litoral e os vales dos grandes rios no planalto e nas encostas da serra – receberam datações de aproximadamente 900 anos.

 

 

 

Elisabeth Karam

Especial para CH On-line / SC

23/02/2006