Muito prazer, bridgmanita!

Ele é, provavelmente, o mineral mais abundante da Terra, formando 93% do manto inferior do planeta, a 2.600 km da superfície. No entanto, nunca tinha sido encontrado na natureza nem tinha um nome oficial. Isso mudou com a análise recente de um meteorito de 4,5 bilhões de anos que caiu na Austrália em 1879. Ao olhar para a rocha que veio de fora do planeta, pesquisadores encontraram a primeira amostra do tão abundante e, ao mesmo tempo, oculto mineral, agora batizado de bridgmanita.

Apesar de já ter ido para a Lua e enviado sondas para outros planetas, o ser humano ainda não foi capaz de estudar diretamente as camadas mais profundas do interior de sua própria morada. A constituição dessas regiões é apenas inferida por meio de medidas da velocidade das ondas sísmicas (originadas no movimento do magma e das placas tectônicas) e por experimentos que simulam as condições de altas temperaturas e pressão do interior terrestre.

Esse tipo de estudo sugere que o manto inferior, camada que fica entre 660 e 2.600 km de profundidade, é sólido e composto principalmente de bridgmanita, até então chamada popularmente de piroxena enstatita (MgSiO3). Tirar a prova seria impossível, pois, além da dificuldade técnica de perfurar regiões tão profundas, esse mineral é instável e se transforma em outro tipo de substância em condições ambientais normais. Por isso, cientistas têm procurado por ele em meteoritos.

Ao entrar na Terra e se chocar com a atmosfera, os meteoritos se deparam com temperatura e pressão altíssimas, muito semelhantes às encontradas no interior do nosso planeta. Daí a chance de encontrar o mineral nesses astros. No ano passado, duas equipes de pesquisadores quase chegaram lá analisando meteoritos, mas as amostras estavam muito danificadas e a estrutura do mineral não pôde ser descrita por completo.

Tschauner: “O estudo das camadas mais profundas da Terra estava incompleto e ter uma amostra natural preenche essa lacuna”

O estudo atual, publicado hoje na Science, foi o primeiro a encontrar e descrever o mineral dominante na Terra. Segundo um dos autores da pesquisa, o geólogo Oliver Tschauner, da Universidade de Nevada-Las Vegas, nos Estados Unidos, a descoberta encerra uma busca de mais de um século e torna o estudo do interior da Terra mais completo.

“Até agora, a petrologia, o estudo das propriedades químicas e físicas do manto inferior, era baseado somente em experimentos de simulação, enquanto o estudo da crosta terrestre e do manto superior se baseiam em experimentos e amostras naturais”, diz. “O estudo das camadas mais profundas estava incompleto e ter uma amostra natural preenche essa lacuna.”

Os pesquisadores usaram raios X para analisar a estrutura e a composição do mineral. Tschauner conta que a bridgmanita pura é incolor e tem um brilho vítreo e que, no interior da Terra, provavelmente apresenta uma cor marrom-avermelhada, devido à mistura com ferro e aço. A aparência, no entanto, não pode ser comprovada no meteorito. “As amostras naturais encontradas são tão pequenas que não é possível ver a cor”, conta. Segundo o cientista, os grãos identificados medem menos de 1 micrômetro, até 150 vezes menos que a espessura de um fio de cabelo.

Estrutura
Os cientistas analisaram o mineral com raios X e determinaram a sua estrutura cristalina. (foto: Chi Ma/ Caltech)

A bridgmanita já tinha sido sintetizada em experimentos anteriores, mas, para ser considerada oficialmente um mineral e ganhar um nome, era preciso ter uma amostra natural do mineral caracterizada. O pedido de batismo foi aceito pela Associação Internacional de Mineralogia em junho.

O nome bridgmanita é uma homenagem ao físico norte-americano Percy W. Bridgman (1882-1961), laureado com o Nobel de Física em 1946 por sua contribuição ao estudo de mineralogia de altas pressões. Foi ele quem tornou possível os experimentos de simulação de temperatura e pressão do interior da Terra ao criar, há mais de 100 anos, um dispositivo capaz de gerar uma pressão 100 mil vezes maior do que a que estamos submetidos ao nível do mar.

A busca continua

Segundo outro pesquisador envolvido no estudo, Chi Ma, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), a caracterização do mineral pode ajudar a entender melhor a dinâmica do interior do nosso planeta. “A descoberta da bridgmanita natural não só nos dá informações sobre as condições de impacto dos meteoritos, mas também pode nos ajudar a desvendar os mecanismos de transformação de minerais dentro da Terra”, afirma.

Camadas
Acredita-se que a bridgmanita seja encontrada no manto inferior da Terra. (imagem: Science)

Alguns materiais do interior da Terra, como os diamantes, chegam até a superfície, mas a maioria dos minerais das camadas mais profundas não resiste a essa jornada. Os cientistas ainda têm pelo menos dois minerais para os quais ainda não foram encontradas amostras naturais: o CaSiO3, da mesma camada que a bridgmanita, e a pós-perovskita, que ocorre entre o manto inferior e o núcleo de ferro do planeta.

“São minerais de menor quantidade na composição do manto, mas são fundamentais para entender a distribuição de calor no interior da Terra”, diz Tschauner. O jeito é esperar.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line