Mutantes ladrões de fêmeas

 



Mosca da espécie Ormia ochracea parasitando o grilo havaiano Teleogryllus oceanicus (foto: Marie Read/ Universidade de Toronto).

Uma espécie de grilo que vive na ilha havaiana de Kauai costumava usar o som do bater de suas asas para seduzir suas parceiras. Porém, a técnica também atraía moscas parasitas, que depositavam ovos nesses machos barulhentos. Dos ovos eclodiam as larvas, que exterminavam os pobres grilos. Há cerca de cinco anos essa situação começou a mudar, pois uma mutação genética silenciou suas asas e salvou-os das moscas. Porém, como fariam eles agora para atrair as parceiras? Roubando a ‘mulher do próximo’, como mostrou um grupo de pesquisadores norte-americanos.

A saga dos grilos havaianos, da espécie Teleogryllus oceanicus , foi relatada em artigo publicado esta semana na revista Biology Letters . A equipe, da Universidade da Califórnia, mostrou que os pobres grilos não-mutantes, que arriscam suas vidas para seduzir as parceiras com a serenata de suas asas, tiveram suas fêmeas literalmente tomadas pelos mutantes. Os grilos silenciosos também passaram a ser atraídos por esse bater de asas e a espreitar pelas fêmeas que os outros chamavam.

Os autores notaram, desde 1991, que os grilos cantantes estavam desaparecendo na ilha, pois a abundância de moscas Ormia ochracea parasitava cerca de 30% dos espécimes coletados. Durante uma visita ao local em 2003, não encontraram nenhum macho cantor, mas uma abundância de grilos. Após uma análise minuciosa, descobriram que quase todos os machos da ilha haviam perdido o aparato necessário para produzir o som característico de suas asas.

Para entender como esses mutantes eram capazes de atrair suas parceiras, os pesquisadores cercaram uma área de dois metros quadrados dessa e de outras ilhas ao redor (que tinham apenas grilos normais), de onde catalogaram todos os insetos dessa espécie. No centro da área, reproduziram gravações da cantoria desses machos e observaram o deslocamento dos grilos. Os cientistas constataram que apenas os machos mutantes e as fêmeas se deslocaram na direção das reproduções sonoras.

Assim, ficou claro que os machos silenciosos usavam o barulho dos insetos ‘sonoros’ para roubar-lhes as parceiras. Porém, se os mutantes precisam dos não-mutantes para conseguirem se reproduzir, como poderão sobreviver se todos os cantores forem exterminados da ilha? E as moscas, na falta de grilos barulhentos para colocarem seus ovos, devem também desaparecer?

Os pesquisadores ressaltam que o sistema claramente não está em equilíbrio e asseguram que vão continuar a monitorar esses animais para identificar as possíveis mudanças que podem ocorrer nessas populações. Eles acreditam que as moscas podem ser extintas, porém dão a elas uma esperança. “Se a população de moscas puder persistir em níveis baixos, poderá esperar pela flutuação na freqüência dos tipos de grilos, até que a seleção natural que favorece a cantoria seja mais favorável do que a que favorece o silêncio”, dizem os autores no artigo. Isso se os cantores sobreviverem, é claro.

Marina Vejovsky
Ciência Hoje On-line
28/09/2006