Nem adultas, nem embrionárias


As células-tronco identificadas no líquido amniótico e em membranas que envolvem os fetos são capazes de se diferenciar em células neuronais.

Mulheres grávidas são uma preciosa fonte de células-tronco. Não devido ao embrião que carregam, mas ao líquido e às membranas que o envolvem. Uma equipe de cientistas norte-americanos descobriu que células isoladas desses locais compartilham características com as células-tronco adultas e embrionárias: elas são capazes de se diferenciar em diversos tipos de tecidos e podem ter um futuro promissor na regeneração de órgãos e tecidos danificados.

Segundo o trabalho, publicado hoje na revista norte-americana Nature Biotechnology , essas células foram obtidas a partir de amostras descartadas de líquido amniótico usadas para detectar doenças genéticas em fetos. Elas também estão presentes em membranas – como a placenta – que recobrem o bebê e são expelidas após o parto. Em testes com camundongos, elas desenvolveram tecido ósseo, repopularam áreas do cérebro afetadas por uma doença degenerativa e desenvolveram células de fígado funcionais.

As células recém-descobertas parecem ter desenvolvimento intermediário entre as células-tronco embrionárias e as adultas, pois apresentam traços de ambas. O líder da pesquisa, Anthony Atala, diretor do Instituto de Medicina Regenerativa da Escola de Medicina da Universidade de Wake Forest (Estados Unidos), ressalta que essa condição é vantajosa, pois as torna capazes de gerar diversos tecidos, como ossos, coração, músculos, nervos, vasos sangüíneos, pâncreas, fígado e rim, sem formar tumores – ou esbarrar nas questões éticas que envolvem a utilização de embriões humanos para pesquisa.

O novo tipo de células-tronco também desenvolveu formações ósseas (indicadas pelas setas) em camundongos.

Necessidade de mais análises
O neurocientista brasileiro Stevens Rehen, presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento, foi mais cauteloso ao comentar o estudo, afirmando que a formação de tumores (teratomas) é a maneira classicamente utilizada para se definir que as células são capazes de desenvolver todos os tecidos do corpo. “Apesar de se tratar de células muito interessantes, sua condição intermediária ainda requer inúmeras análises e estudos para uma melhor caracterização.”

Rehen ressalta também o baixo rendimento de células-tronco (aproximadamente 1%) gerado pela nova fonte. Por outro lado, o autor do estudo argumenta que a rápida multiplicação das células – elas dobram de quantidade a cada 36 horas – e sua fácil obtenção driblam esse obstáculo. “Além disso, como nascem milhares de crianças por ano, poderia ser disponibilizada uma vasta quantidade dessas células para a terapia”, comenta Atala.

Para Rehen, seria preciso ainda comprovar a viabilidade do cultivo dessas células após congelamento (esse procedimento, essencial para armazenar as células, pode interferir no uso de alguns tipos celulares). Mas Atala não economiza palavras ao descrever os próximos passos de sua equipe: “Expandir as indicações para a utilização dessas células na terapia clínica.”

Os dois pesquisadores concordam, porém, com a possibilidade de usar as novas células na medicina regenerativa no futuro. Rehen destaca ainda a importância da ‘garimpagem científica’ no panorama atual da ciência. “A cada mês novas células-tronco são isoladas e caracterizadas. Precisaremos de tempo para identificar qual seria a mais adequada para determinado tratamento, terapia ou pesquisa”, comenta. “Minha expectativa é que cada uma delas terá sua importância e todas serão necessárias, dependendo da situação.”

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
08/01/2007