No rastro do lixo marinho

A famosa grande mancha de lixo do Pacífico foi descrita pelo oceanógrafo Charles Moore como um verdadeiro lixão em mar aberto, duas vezes maior do que o estado norte-americano do Texas. No entanto, mais do que uma ilha flutuante de detritos, sua parte principal e mais perigosa é composta, na verdade, por milimétricas partículas de plástico que formam uma espécie de sopa tóxica quase invisível a olho nu, mas muito prejudicial à vida marinha. Agora cientistas australianos desenvolveram um método matemático que rastreou em detalhes como se formam essa e outras quatro ‘manchas’ similares e que pode ser capaz de apontar ‘culpados’ pelo acúmulo de lixo no mar.

Sebille: “Essas partículas de plástico acabam sendo ingeridas por peixes e aves e podem ser tóxicas, levando-os à morte”

A existência de grandes manchas oceânicas de lixo é hoje fonte de preocupação de muitos ambientalistas e oceanógrafos. O modelo matemático recém-desenvolvido confirmou sua localização e associou sua formação aos chamados giros oceânicos, correntes marinhas rotativas, como redemoinhos, criadas a partir do movimento de rotação da Terra e do fluxo global de ventos e que acabam acumulando em seu centro as pequenas partículas de plástico, formando, com o passar do tempo, grandes aglomerados. Além do Pacífico Norte, as manchas estão localizadas a leste das Bahamas, leste do Rio de Janeiro (Brasil), leste de Madagascar e no Pacífico Sul, na altura do Chile.

“As correntes marinhas carregam o plástico, que pode demorar até 10 anos para chegar a um desses locais de concentração, e nesse meio tempo o sol e as ondas quebram o lixo macroscópico até reduzi-lo a pequenas partículas”, explica o biólogo Erik Van Sebille, um dos participantes do estudo na Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. “Essas partículas de plástico acabam sendo ingeridas por peixes e aves e podem ser tóxicas, levando-os à morte; por isso, é essencial que não pioremos o problema.”

Plástico no oceano
Um dos principais problemas das manchas de lixo dos oceanos é que elas são compostas em grande parte por milimétricas partículas de plástico, que formam uma espécie de sopa tóxica quase invisível a olho nu, mas muito prejudicial à vida marinha. (foto: Plastic Oceans Foundation)

O estudo australiano partiu de outros modelos matemáticos complexos que estudam e simulam a dinâmica das correntes marítimas. “Pegamos dados desses modelos e aplicamos nossa matemática probabilística para estudar o processo de acumulação do lixo”, conta o matemático Gary Froyland, pesquisador da Universidade de Nova Gales do Sul que também participou do estudo.

Esses sistemas acumulam dados sobre a trajetória de objetos largados em áreas costeiras de todo o mundo e levados pelas correntes marítimas a destinos longínquos. Ao longo dos anos, essa análise permite visualizar o funcionamento da corrente e entender a dinâmica dos objetos carregados por elas. Com base nessas informações, os pesquisadores criaram um modelo probabilístico que pudesse prever as chances de um objeto, como uma garrafa, por exemplo, ser levado de uma área X para Y ou de Y para Z.

A partir dos dados brutos, o modelo foi capaz de descrever com sucesso a formação das grandes manchas existentes nos oceanos, o que confirma sua eficiência. Ele poderá, agora, ser usado para estudar o próprio processo de formação dessas grandes concentrações. Além disso, os pesquisadores imaginam que o método possa ser usado para outras situações. “Em escalas menores, podemos usá-lo para rastrear vazamentos de óleo ou outros detritos”, ressalta Froyland.

De olho nos poluidores

Para Sebille, localizar as manchas é apenas o primeiro passo. A meta, para ele, é ser capaz de, em cinco a 10 anos, descobrir de onde veio o lixo. “É impossível limparmos o oceano, o lixo que está lá permanecerá lá, então precisamos identificar a origem do lixo para que os responsáveis possam criar estratégias para parar de poluir”, destaca.

Sebille: “É impossível limparmos o oceano, o lixo que está lá permanecerá lá, então precisamos identificar a origem do lixo para que os responsáveis possam criar estratégias para parar de poluir”

Para encontrar a origem do lixo, o modelo matemático australiano precisa ser rodado para trás, como se voltasse no tempo – é o que explica o oceanógrafo brasileiro André Belém, professor da Universidade Federal Fluminense que estuda a circulação dos oceanos. “Eles pegam um dado atual, ou seja, a localização atual do lixo, e calculam as probabilidades das rotas”, salienta. “É praticamente o mesmo método utilizado em casos como aqueles em que se encontram apenas destroços ou um bote salva-vidas após um naufrágio e, a partir daí, se traça uma rota que pode indicar onde o barco provavelmente afundou, diminuindo a área de busca.”

O oceanógrafo Paulo Calil, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, considera o método dos australianos mais eficiente computacionalmente do que os modelos anteriores. No entanto, ele ressalta que a função de achar e punir culpados não é do cientista. “Vários países possuem legislação bastante complexa sobre a poluição de ambientes marinhos”, observa. “A razão pelo não cumprimento das leis existentes vai além da falta de modelos oceânicos adequados.”

Isabelle Carvalho
Especial para CH On-line