Nova arma contra um velho inimigo

De todos os tipos de câncer que acometem mulheres no Brasil, o câncer de mama é o que mais produz óbitos. Na luta contra essa fatalidade, surge um importante aliado: um marcador capaz de diagnosticar esse tipo de câncer com maior precisão, desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Patologia Básica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estudo foi publicado recentemente no periódico britânico BMC Cancer.

Os pesquisadores constataram que, nos casos de câncer de mama do tipo lobular, o gene adam33 fica inativo. Segundo a bioquímica da UFPR Giseli Klassen, coordenadora do trabalho, esse gene produz uma proteína de mesmo nome, que é responsável, juntamente com outras substâncias, por manter as células unidas. “Da mesma forma que a âncora impede o navio de navegar, essa proteína ‘segura’ as células no lugar de origem”, explica.

A metástase – não o tumor inicial – é a principal causa de morte nos casos de câncer

A falta dessa proteína acaba então por facilitar o processo de metástase. “Nossa descoberta pode ser a diferença entre salvar ou não a vida de uma paciente, já que a principal causa de morte nos casos de câncer é a metástase e não o tumor inicial”, afirma Klassen.

A comunidade médica tem dificuldade para distinguir precocemente entre os dois tipos de câncer de mama: o ductal (75% dos casos) e o lobular (25%). O lobular, que é pouco estudado, pode se apresentar como uma lesão mal definida, o que dificulta sua detecção e diagnóstico, inclusive pela mamografia. “Mas, com o marcador, essa dificuldade pode ser superada”, sustenta a pesquisadora. “Todos os tumores lobulares analisados estavam com o gene inativo, enquanto os ductais não.”

Câncer de mama
Célula de um tumor de mama. A Organização Mundial da Saúde estima em 1 milhão, aproximadamente, o número de novos casos de câncer de mama por ano no mundo. No Brasil, esse tipo de câncer é o que causa maior número de óbitos entre as mulheres (foto: NCI / Science Photo Library).

Uso médico

Segundo Klassen, descobriu-se também que, no caso do câncer de mama lobular, a metástase pode ocorrer no trato gastrointestinal, quando o mais frequente é que afete ossos, pulmões e fígado. “Muitas vezes essa metástase pode até ser confundida com o diagnóstico de um novo câncer, já que é pouco conhecido o desenvolvimento de metástases do câncer de mama nos intestinos”, destaca.

O câncer de mama lobular pode provocar metástase no trato gastrointestinal

Agora os pesquisadores da UFPR buscam meios de simplificar as técnicas e baratear os custos para identificar a ausência da proteína produzida pelo adam33. “O objetivo é facilitar o processo para que ele possa ser feito em laboratórios de análises clínicas – auxiliando o médico a formular um diagnóstico seguro – e não apenas em laboratórios de pesquisa”, explica Klassen.

Ela alerta, contudo, para o fato de que ainda é muito cedo para o marcador fazer parte do conjunto de ferramentas postas à disposição dos médicos. ”Embora o estudo seja um passo importante, demora-se em média dez anos para um resultado de pesquisa ser empregado na prática. Ainda há muito para se fazer”, ressalta.

 

Estilo de vida traiçoeiro

A próxima etapa da pesquisa envolverá também o estudo de mecanismos moleculares epigenéticos (que abrangem modificações químicas no próprio DNA ou nas proteínas a ele associadas). Segundo Klassen, algumas substâncias, se ingeridas ou inaladas, podem alterar o funcionamento do organismo e resultar no desenvolvimento de doenças, como câncer, artrite e depressão, por exemplo.

“A causa da inativação do adam33 pode estar aí”, sugere a pesquisadora. Segundo ela, o consumo de alguns produtos industrializados modernos pode provocar uma espécie de ‘confusão’ na fisiologia do organismo. Como é o caso, por exemplo, de refrigerantes.

O tipo de adoçante utilizado nessas bebidas é muitas vezes o ciclamato de sódio, proibido nos Estados Unidos desde 1969 pelo Food and Drug Administration, órgão que controla o uso de drogas e alimentos naquele país. Essa proibição decorreu do fato de alguns estudos terem mostrado uma associação entre o ciclamato e o aparecimento de tumores na bexiga. Apesar desses estudos, muitos países ainda permitem a sua utilização, entre eles o Brasil.

 

Luan Galani
Especial para CH On-line/ PR