Nova esperança para portadores de Alzheimer

Um novo caminho se abre para os portadores do mal de Alzheimer, doença degenerativa incurável até agora. Um estudo feito por cientistas brasileiros e americanos mostra que a progressão dos danos causados por essa doença nos neurônios pode ser impedida por medicamentos para diabetes tipo 2. Os pesquisadores acreditam que o mal de Alzheimer seja, na realidade, uma forma de diabetes, que afeta somente o cérebro.

A relação entre mal de Alzheimer e o diabetes tipo 2 – problema metabólico causado por uma deficiência de insulina – já era conhecida pelos pesquisadores. Estudos anteriores haviam mostrado que os neurônios dos portadores da doença degenerativa são mais resistentes à insulina, que desempenha no cérebro um papel importante na formação de memórias.

Comparação de um neurônio sadio (A), de um neurônio afetado por oligômeros, substâncias tóxicas abundantes no cérebro dos portadores de Alzheimer (B) e de um neurônio após o tratamento com insulina combinada com o medicamento contra diabetes tipo 2 (C). O neurônio tratado recuperou boa parte das sinapses e continuou capaz de desempenhar suas funções (foto: Fernanda De Felice e colaboradores / PNAS).

No estudo que acaba de ser publicado na revista PNAS, os pesquisadores testaram em neurônios cultivados em laboratório uma combinação da insulina com o fármaco rosiglitazona, um estimulante da ação desse hormônio, usado comumente para tratar pacientes de diabetes tipo 2.

Os neurônios em cultura usados no estudo haviam sido expostos aos oligômeros, substâncias tóxicas abundantes no cérebro dos portadores de Alzheimer que, ao se ligarem aos neurônios, formam radicais livres e provocam a perda das funções da célula nervosa.

Efeitos progressivos interrompidos
Os resultados do estudo mostram que a combinação da insulina e do medicamento impediu a ligação dos oligômeros com os neurônios em cultura. Com essa ligação interrompida, deixariam de ocorrer os efeitos degenerativos progressivos do mal de Alzheimer, como a perda de memória e das capacidades cognitivas, que acabariam levando à morte do paciente.

“Esses resultados são uma esperança de que tenhamos pela primeira vez uma classe de medicamentos que possa mudar o curso da doença, para a qual até hoje só dispomos de tratamentos paliativos”, afirmam a bióloga Fernanda De Felice e o químico Sérgio Ferreira. Os dois são professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conduziram a pesquisa em colaboração com uma equipe da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.

Os pesquisadores propõem que o mal de Alzheimer seja o diabetes tipo 3, uma forma da doença que atinge somente o cérebro. Os neurônios, resistentes à insulina, teriam sua condição agravada pelo ataque dos oligômeros. Por isso a administração do próprio hormônio combinado com medicamentos que estimulem sua ação protegeria as células neuronais da ligação com essas substâncias tóxicas.

Adaptação necessária
Apesar da boa notícia, ainda é cedo para que os resultados do estudo tenham uma aplicação direta para os portadores do mal de Alzheimer. De nada adiantaria para esses pacientes a administração do tratamento contra diabetes tipo 2. Antes disso, alerta Fernanda De Felice, esses medicamentos precisam ser adaptados para agir no cérebro.

Os pesquisadores pretendem agora utilizar modelos animais para testar os efeitos já observados nos neurônios em cultura. Depois disso, é preciso ainda conduzir testes com humanos. “Mas estamos próximos desse passo, pois a ação dos medicamentos contra o diabetes no corpo humano e suas toxicidades já são bem conhecidas”, completa Sérgio Ferreira.

Quando o tratamento estiver disponível para uso clínico, será possível que ele seja adotado também para prevenir o mal de Alzheimer, que atinge 20% da população acima dos 70 anos. “Esses medicamentos poderão ser administrados a pessoas que estejam na rota do desenvolvimento da doença, que apresentem alguns dos sintomas ou fatores de risco”, imagina Ferreira. “Assim, os neurônios se manterão saudáveis e a doença será impedida de evoluir para os estágios mais avançados.”

Além de Fernanda De Felice e Sérgio Ferreira, o trabalho publicado na PNAS teve ainda outros três autores brasileiros, todos da UFRJ: Marcelo Vieira, Theresa Bonfim e Helena Decker.

Tatiane Leal
Ciência Hoje On-line
02/02/2009