Novidade no céu da Amazônia

Ainda que concentre cerca de 1.800 espécies de aves já descritas, a floresta amazônica é sempre fonte de novidades. Prova disso são as 15 novas aves descritas em volume especial do Handbook of the birds of the world (Manual de aves do mundo, em tradução livre), livro adotado como fonte de consulta por ornitólogos profissionais e amadores e que será lançado em meados deste mês.

A ideia de reunir as espécies em uma única publicação partiu dos ornitólogos Bret Whitney, do Museu de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiana, nos Estados Unidos, e Mário Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Para o zoólogo Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Belém, a iniciativa representa uma economia importante de tempo. “Publicar isso tudo em artigos separados demoraria muito. Bret entrou primeiramente em contato com os editores do livro e chamou outros colegas, entre eles eu e meus alunos, para reunirmos as descobertas”, conta.

Das 15 espécies, 11 são endêmicas do Brasil e quatro também são encontradas na Bolívia e no Peru

O volume contará com a descrição detalhada da morfologia externa das aves, informações sobre o canto de cada uma delas e mapas que apontam suas distribuições geográficas. Além do MPEG e do Inpa, a publicação traz pesquisas feitas nos museus de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP) e de Ciência Natural da Universidade Estadual da Louisiana. Das 15 espécies, 11 são endêmicas do Brasil e quatro também são encontradas na Bolívia e no Peru.

Algumas espécies levaram mais de dez anos para serem descritas e, durante a coleta de dados, os pesquisadores enfrentaram situações inesperadas. Uma delas aconteceu na Floresta Nacional de Altamira, no sul do Pará, onde os cientistas encontraram um garimpo ilegal em funcionamento e precisaram de escolta do Exército para explorar a floresta em segurança. “A tensão de trabalhar num lugar desses é grande e não teríamos conseguido sem o Exército”, lembra Aleixo.

Exército na floresta
Por causa da descoberta de um garimpo ilegal, os pesquisadores tiveram que contar com a escolta do Exército para explorar a floresta em segurança. (foto: Zig Koch)

Com ajuda da genética

Durante a busca por novas espécies de aves, os pesquisadores observaram características como canto e plumagem. No entanto, grande parte dos estudos que originaram as 15 novas descrições incluiu também a análise do genoma das aves. “Testes genéticos nos permitem diferenciar variedades ou subespécies de uma espécie realmente inédita”, diz o zoólogo.

Para fazer os testes genéticos, os pesquisadores coletaram penas, sangue ou pedaços de tecidos como músculo, fígado e coração. “Algumas vezes, foi necessário sacrificar exemplares, o que é permitido por lei em caso de pesquisas e inclusive mandatório para uma descrição científica de alta qualidade”, explica. Os tecidos coletados e os espécimes sacrificados foram depositados nas maiores coleções biológicas nacionais, pertencentes ao Inpa, MPEG e MZ-USP.

“Muitos zoólogos não coletam material genético porque acham que isso é atribuição dos geneticistas, o que é uma visão míope da coisa.”

Em seguida, partes específicas do DNA foram extraídas e sequenciadas em laboratórios dessas próprias instituições, sendo possível reconstruir a genealogia das espécies a partir de bancos de dados genéticos. Apesar de ser um recurso importante, Aleixo conta que nem todos os pesquisadores em zoologia recorrem ao estudo do genoma. “Muitos zoólogos não coletam material genético porque acham que isso é atribuição dos geneticistas, o que é uma visão míope da coisa.”

De todo modo, a análise genética vem sendo cada vez mais usada na busca por novas espécies, ampliando o conhecimento dos cientistas sobre a biodiversidade da Amazônia. “Se 15 novas espécies de aves são descritas em pleno século 21, o que diremos de grupos menos conhecidos como os invertebrados?”, diz o zoólogo. “Precisamos melhorar esse conhecimento, sob pena de não desenvolvermos boas políticas de conservação.”

Saber preservar

Além de expandir o conhecimento, a descoberta das aves alerta para a necessidade de novas estratégias de conservação. Segundo Aleixo, duas das espécies descritas são endêmicas de uma região conhecida como arco do desmatamento, entre o sul do Pará e o norte do Mato Grosso, e, recém-descobertas, podem já estar ameaçadas de extinção. “Análises prévias indicam que pelo menos uma delas deve entrar para a lista de espécies ameaçadas”, comenta.

“A estratégia de conservação deve focar em processos e situações mais locais, em vez de ‘soluções únicas’ para todo o bioma”

O pesquisador alerta que todas as 15 espécies são endêmicas de setores ou microssetores da Amazônia. “A estratégia de conservação deve focar em processos e situações mais locais, em vez de ‘soluções únicas’ para todo o bioma”, diz. “Não adianta dividir a Amazônia em regiões de desenvolvimento e regiões de conservação e advogar que isso seja estratégia. As áreas de desenvolvimento abrigam espécies endêmicas e também precisam ser preservadas.”

Outro agravante está na presença de hidrelétricas nas áreas habitadas por todas as 15 novas espécies. Distribuídas pelas proximidades dos rios Madeira – onde ficam as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau –, Tapajós – onde a São Luiz está sendo construída – e Xingu – onde fica Belo Monte, também em construção –, as aves precisarão de políticas de conservação que atuem diretamente nos arredores desses empreendimentos.

Aleixo acrescenta que a construção de hidrelétricas deverá vir acompanhada de programas eficazes que monitorem a presença dessas aves no local. “Não adianta fiscalizar setores remotos e ainda não impactados da Amazônia”, explica. “As novas espécies revelam que não se pode mais jogar a sujeira para debaixo do tapete, sob pena de perdemos espécies que ainda nem foram descritas.”

Mariana Rocha
Ciência Hoje/ RJ