Ambos os turnos das eleições gerais deste ano, bem como as alianças dos candidatos à presidência e suas atitudes em relação às religiões, não deixam dúvida sobre o peso de grupos religiosos – especialmente neopentecostais – na definição da política brasileira atual.
“Não podemos mais pensar a democracia brasileira sem levar em consideração a participação e presença desses grupos na política partidária nacional, nas alianças e barganhas que fazem com candidatos, partidos e governantes”, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Mariano participou de uma mesa-redonda sobre o assunto no 34º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que aconteceu na semana passada em Caxambu (MG).
Para o sociólogo, o eleitorado pentecostal sem dúvida teve importância no número inesperado de votos que a candidata pelo PV Marina Silva teve no primeiro turno das eleições presidenciais, embora, segundo o Datafolha, apenas 1% dos eleitores tenha respondido que a religião teve influência no seu voto.
No segundo turno, entretanto, Mariano diz-se surpreendido pelo fato de os pentecostais apoiarem mais o candidato José Serra (PSDB) do que Dilma Rousseff (PT), de acordo com pesquisas eleitorais. “O perfil socioeconômico desse grupo religioso – que tem escolaridade mais baixa que a média brasileira – indica tendência a votar mais na candidata Dilma”, defende.
Isso significaria, para o sociólogo, que há motivos religiosos levados em consideração por parte do eleitorado pentecostal, o que faz com que este apoie mais o Serra do que a Dilma. Entre esses motivos, estaria certa insatisfação com o governo Lula, por conta de iniciativas como o plano nacional contra a homofobia, que de modo geral são rechaçadas pelos evangélicos.
Mariano afirma que o Brasil vive hoje um estado de “quase laicismo”, no qual “todos [os grupos religiosos] querem regular a laicidade e sua manipulação pelo Estado”.
A afirmação foi feita a partir não só de observações sobre as eleições, mas também sobre o acordo com o Vaticano assinado pelo presidente Lula em novembro de 2008 com o objetivo de regulamentar o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e sobre a Lei Geral das Religiões, proposta por um parlamentar evangélico. Esta, segundo o sociólogo, estendeu o acordo católico a todas as religiões do Brasil sob o argumento de isonomia religiosa.
Surgimento do ‘irmão vota em irmão’
O crescimento do número de parlamentares evangélicos nos últimos anos é vertiginoso e acompanha o número de pentecostais na população em geral. Segundo dados do IBGE, de 1991 a 2000, a porcentagem de pentecostais na população brasileira cresceu de 5,6% para 10,4%. Entre 2002 e 2006, o número de deputados pentecostais saltou de 2 para 18.
Fica visível que esse crescimento é recente. Segundo Mariano, tanto os pentecostais quanto os evangélicos em geral (denominação que abrange tanto pentecostais quanto protestantes históricos) se excluíam da vida política até a década de 1980.
A reviravolta se deu às vésperas da Assembleia Constituinte, em 1986, quando circularam fortes boatos de que a nova constituição brasileira, sob influência da Igreja Católica, colocaria em risco a liberdade religiosa. “Por isso, os evangélicos, mesmo na política, costumavam defender a bandeira de Estado laico”, explica Mariano.
Desde então, a bancada evangélica no parlamento passou a ser formada majoritariamente por neopentecostais – principalmente por integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus e da Assembleia de Deus. “Nessas eleições, contudo, essa clivagem entre pentecostais e neopentecostais não existe”, afirma o sociólogo.
Isabela Fraga (*)
Ciência Hoje / RJ
(*) A repórter viajou a Caxambu a convite da Anpocs