O primeiro europeu

Um grupo liderado por cientistas espanhóis acaba de encontrar a evidência mais antiga da ocupação humana na Europa. Trata-se de fósseis de um hominídeo com mais de 1 milhão de anos, coletados na Espanha. O material, junto com fósseis de outros sítios paleontológicos, sugere que o povoamento da Europa ocidental ocorreu a partir da migração de indivíduos do Oriente Próximo.

A mandíbula de um hominídeo adulto (vista de frente, em A, e de cima, em B) foi coletada em um sítio em Atapuerca, na Espanha, junto com ferramentas de pedra e restos de animais que apresentavam traços de atividade humana (foto: Nature).

Os pesquisadores coletaram um fragmento da mandíbula de um hominídeo adulto com alguns dentes preservados e um dente isolado do mesmo indivíduo. Ao lado dos fósseis foi encontrado um conjunto de 32 ferramentas de pedra e restos de animais no sítio de Sima del Elefante, uma caverna localizada na serra de Atapuerca, no norte da Espanha.

Os sedimentos onde estavam os vestígios foram datados do início do Pleistoceno, entre 1,2 e 1,1 milhões de anos atrás. A idade foi determinada com base na combinação de três técnicas diferentes – paleomagnetismo, decaimento de isótopos radioativos e bioestratigrafia –, o que faz dos fósseis de Sima del Elefante os registros do povoamento da Europa com a datação mais precisa.

Segundo os pesquisadores, as ferramentas de pedra e os restos de animais coletados carregam traços de atividade humana. “Alguns ossos de grandes mamíferos mostram clara evidência de processamento por hominídeos, como fraturas recentes feitas para acessar a cavidade da medula e outras fontes de alimento”, dizem no artigo que descreve a descoberta, publicado na Nature desta semana.

As ferramentas encontradas, provavelmente produzidas dentro da caverna, a julgar pela presença de lascas residuais, têm características técnicas primitivas. “Essas peças simples geralmente estão relacionadas a atividades humanas básicas dedicadas a processar e consumir carne e tutano”, completam os autores.

Características primitivas e derivadas
Segundo um dos coordenadores da equipe, José Maria Bermúdez de Castro, do Centro Nacional de Investigação sobre Evolução Humana, na Espanha, os fósseis de Sima del Elefante têm muitas similaridades com mandíbulas datadas de 1,7 milhões de anos encontradas em Dmanisi, na Geórgia, país localizado entre a Europa e a Ásia. Os hominídeos de Dmanisi são a evidência mais remota da presença do gênero Homo fora da África. “Isso pode representar uma possível relação entre as populações desses locais”, diz Castro à CH On-line. Por outro lado, os novos fósseis também têm aspectos derivados, que lembram algumas mandíbulas asiáticas.

Os cientistas atribuíram a mandíbula de Sima del Elefante provisoriamente à espécie Homo antecessor, um possível ancestral de neandertais e humanos modernos. Essa classificação deve-se ao fato de os primeiros fósseis dessa espécie terem sido encontrados no sítio de Gran Dolina, localizado a 200 metros de Sima del Elefante, também na serra de Atapuerca.

As novas evidências, junto com esses achados anteriores, sugerem que um evento de especiação ocorreu no extremo Oeste da Europa durante o início do Pleistoceno e originou a linhagem de hominídeos representada pelos indivíduos de Sima del Elefante e Gran Dolina.

“Como a diferença de idade entre os hominídeos de Dmanisi, na Geórgia, e Sima del Elefante, na Espanha, é de 0,5 milhão de anos, houve tempo suficiente para um processo de especiação ocorrer” – justifica Castro –, “especialmente se levarmos em conta que somente uma parte da população seguiu para o oeste, por corredores estreitos, e a deriva genética era provavelmente um processo comum naquela época.”

Segundo os pesquisadores, os achados indicam que os primeiros habitantes da Europa vieram do Oriente Próximo – o caminho entre África e Eurásia – e estariam relacionados à primeira expansão demográfica para fora do continente africano, atualmente representada pelos hominídeos de Dmanisi. As conclusões fortalecem a evidência de que o povoamento da Europa ocorreu de uma maneira muito mais rápida e contínua do que se pesava anteriormente.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
26/03/2008