Os astros na intimidade

Estudar a formação das estrelas ainda é um desafio para astrônomos. A principal dificuldade é técnica, já que os telescópios óticos amplamente utilizados hoje para a observação do céu não são capazes de detectar os gases que formam esses astros. Uma grande rede de radiotelescópios, em construção no inóspito deserto do Atacama, no Chile, no entanto, deverá ajudar pesquisadores da área a superar esse entrave. 

O cenário atual já impressiona. Mais precisamente no altiplano Chajnandor, a 5 mil metros de altitude, é possível avistar pesadas antenas parabólicas de fibra de carbono, cuja tarefa é justamente captar a mensagem das estrelas, planetas e galáxias das zonas mais distantes e escuras do universo.

O projeto (literalmente) astronômico, chamado Grande Arranjo Milimétrico e Submilimétrico do Atacama (Alma, na sigla em inglês) e orçado em um bilhão de euros, é tocado por Estados Unidos, Japão, Taiwan e 14 países membros do Observatório Europeu do Sul (ESO).

“Uma das coisas em que o Alma é melhor que qualquer outro telescópio é o estudo da formação das estrelas”

“Uma das coisas em que o Alma é melhor que qualquer outro telescópio é o estudo da formação das estrelas”, garante a astrônoma Alison Peck, diretora de projetos científicos do observatório. “Com ele, podemos não só detectar os gases que se concentram e formam as estrelas, como ver os tipos de moléculas presentes neles e a sua temperatura.”

Ao contrário da luz que enxergamos, a radiação submilimétrica captada pelo Alma não tem seu fluxo interrompido pela poeira interestelar. Assim, seus radiotelescópios podem ver regiões que não são tão bem detectadas pelos telescópios óticos. Além disso, por não se tratar de luz visível, a radiação pode ser detectada mesmo de dia

Comparação imagens
Veja a diferença entre uma imagem do espaço obtida com as antenas do Alma e outra captada por um telescópio ótico, o VLT. Com o radiotelescópio é possível perceber regiões de poeira onde nascem novas estrelas. (foto: Alberto Milani/ Alma- ESO)


A todo vapor

Atualmente, há 16 antenas parabólicas em funcionamento captando ondas de rádio e infravermelho do espaço. O plano é construir, ao todo, 66, com diâmetros de sete e 12 metros e cerca de 100 toneladas. Elas poderão operar individualmente ou unidas, formando, no último caso, um só radiotelescópio de até 15 quilômetros de diâmetro. 

Todas elas serão móveis. Com o auxílio de duas espécies de caminhões super-resistentes, elas poderão ser realocadas em diferentes posições distantes até 15 km entre si. Quanto mais próximas estiverem duas ou mais antenas conectadas, maior será o seu campo de visão. Quanto mais distantes, mais pontual e detalhada será a região observada.

Segundo Peck, o detalhamento das imagens feitas a partir da radiação captada pelas 66 antenas juntas será tão grande que vai ser possível perceber uma moeda de um real na Lua.

O detalhamento das imagens feitas a partir da radiação captada pelo Alma será tão grande que vai ser possível perceber uma moeda de um real na Lua

A estrutura de cada antena do Alma leva em média três meses para ser montada e mais um mês para ser equipada com os aparelhos eletrônicos de detecção. A previsão oficial é de que todas estejam instaladas até 2013, mas pelo andamento da linha de montagem, que constrói duas antenas por vez, é provável que elas fiquem prontas antes do final deste ano.   

Mesmo com apenas uma parte das antenas em atividade, o observatório já está realizando pesquisas. No final do ano passado foi aberta a primeira chamada de pedidos de tempo nos equipamentos para astrônomos dos países participantes. Mais de 900 projetos foram inscritos e 100 aprovados. Agora, os primeiros dados estão sendo interpretados pelas equipes envolvidas.

Novo fôlego

Se o Brasil se tornar um país membro do ESO, como se comprometeu em 2010, os astrônomos brasileiros poderão submeter projetos de pesquisas e, caso aprovados, usufruir também da infraestrutura do Alma. 

Para o astrônomo Marcos Diaz, da Universidade de São Paulo (USP), a possibilidade de uso do Alma pelos brasileiros faria ressurgir o campo de radioastronomia no país, que vem perdendo força devido à falta de equipamentos. Hoje existem três radiotelescópios no Brasil, mas ultrapassados na visão de Diaz.

“O que temos de mais precioso na área são os pesquisadores, mas infelizmente os estudos estão comprometidos e os estudantes acabam se desinteressando pela área. Com o ingresso do Brasil no ESO e a possibilidade de uso do Alma, a linha de pesquisa vai ressurgir.”

Assista a um vídeo mostrando detalhes do projeto

Sofia Moutinho*
Ciência Hoje On-line

* A jornalista viajou ao Chile a convite do ESO.