Os engenhosos macacos da caatinga

Macacos-prego que vivem nas áreas de caatinga do Nordeste usam pedras como ferramentas com freqüência espantosa. A constatação é de pesquisadores da Universidade de Cambridge (Inglaterra), em trabalho de campo realizado no Parque Nacional da Serra da Capivara (PI). Investigações anteriores indicavam que esse tipo de artifício é largamente difundido entre macacos-prego em cativeiro. No entanto, são raros os registros entre animais que vivem em seu hábitat natural.

Os macacos-prego ( Cebus apella libidinosus )  ocorrem em quase toda América do Sul e Central (foto: A. Moura)

Os macacos observados pelos cientistas utilizam quase diariamente pequenas pedras para cavar o solo em busca de alimentos e para partir frutos, sementes e troncos ocos. Eles também se servem constantemente de gravetos para alcançar insetos, larvas ou mel no interior de árvores ocas e cavidades em rochas. De acordo com os dois cientistas que conduziram a pesquisa, os primatólogos Antonio Moura e Phillys Lee, o emprego de ferramentas para cavar ainda não havia sido observado em nenhuma outra espécie de primatas além dos seres humanos. Moura é brasileiro e faz doutorado em Cambridge.

Segundo os pesquisadores, a diferença na quantidade de registros de uso de ferramenta entre animais livres e os que vivem em cativeiro pode ser explicada pela disponibilidade de alimento. Quando em liberdade, os macacos buscam alimento mais freqüentemente na copa das árvores do que no chão. No cativeiro, a situação se inverte, uma vez que o espaço é limitado, geralmente não há arvores e as possibilidades para a procura de alimentos são restritas. Diante desse problema, usando ferramentas rudimentares os macacos costumam tentar alcançar raízes e quebrar sementes que não poderiam ser processadas para o consumo sem o uso das pedras e gravetos.

O tempo ocioso dos macacos em cativeiro também é um fator importante no desenvolvimento de sua capacidade de manipulação de objetos. “Esses macacos tem uma tendência a manipular objetos, golpeá-los contra um substrato qualquer, apenas ’brincando’ com esses objetos”, diz Moura em entrevista à CH On-line . As brincadeiras com gravetos e pedras podem evoluir para a descoberta de uma ferramenta útil.

O grupo de macacos estudado no Piauí, no entanto, apesar de viver em liberdade, conta com um poderoso estímulo ao uso de ferramentas. Segundo os pesquisadores, a escassez de alimento na caatinga que cobre parte da Serra da Capivara pode ser responsável pela criatividade desses animais. Nas condições adversas de longas estações secas e de escassez de alimento características desse bioma, as ferramentas – de uso e obtenção simples – permitem que os macacos cheguem a raízes, sementes e pequenos animais antes inacessíveis, além de tornarem mais rápido o processamento desses alimentos.

As conclusões dos pesquisadores foram tiradas a partir da observação de três diferentes grupos de macacos-prego em uma área de cerca de 40 km² na Serra da Capivara. O trabalho de campo aconteceu entre outubro de 2000 a março de 2002.  O artigo que descreve os resultados do estudo foi publicado na revista Science de 10 de dezembro.

Tiago Carvalho
Ciência Hoje On-line
13/12/04