Para não ultrapassar limites

Na rotina de esportistas profissionais, o convívio com a dor é necessário e inevitável. Além do desconforto provocado pelos exercícios, os atletas muitas vezes enfrentam dores associadas a lesões físicas. Mas nem todos conseguem diferenciar esses sinais e acabam ultrapassando seus limites e sofrendo contusões. Para ajudar a prevenir essa situação, a psicóloga Katia Rubio, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), criou um questionário que analisa a postura do atleta diante da dor, de forma a permitir uma avaliação mais segura dos riscos a que ele se expõe.

O questionário é composto por afirmações relacionadas a posicionamentos possíveis de serem adotados na prática esportiva diante da dor, com os quais os atletas devem discordar, concordar ou se mostrar neutros. Em função de suas escolhas, cada esportista obtém uma pontuação que indica o seu perfil. A avaliação aponta cinco posturas diferentes de enfretamento da dor, definidas como mais ou menos propensas a lesões.

Uma das posturas identificadas é chamada de ‘enfrentamento direto’. “Ela se refere aos atletas que ignoram a dor e a encaram como parte da competição esportiva, tendo grandes chances de se machucarem”, explica Rubio. Também são mais sensíveis ao risco de lesão os atletas classificados com a postura de ‘catastrofização’, que tendem a se desesperar com a dor e serem pessimistas, o que dificulta sua recuperação.

Rubio: “Ao determinarmos o perfil de cada um, conseguimos entender o melhor caminho para enfrentar e tratar a dor”

Outro perfil identificado pelo questionário é o dos atletas que têm um ‘enfrentamento cognitivo’ da dor, ou seja, aqueles que procuram se informar sobre a dor e tentam tratá-la da melhor maneira, resultando em uma boa recuperação. Já os que têm o ‘evitamento’ como característica tendem a se poupar quando sentem dor. Segundo Rubio, esse tipo de atleta se torna menos competitivo. Por fim, o questionário indica também os esportistas que têm consciência corporal, que percebem os sinais que o corpo emite quando uma lesão está por vir. Atletas desses três últimos perfis têm menores chances de lesões.

“Ao determinarmos o perfil de cada um, conseguimos entender o melhor caminho para enfrentar e tratar a dor; é algo que varia de atleta para atleta, cada um demanda um tratamento diferente”, esclarece a psicóloga. Ao saber qual a principal característica de cada atleta, os treinadores e os próprios esportistas podem ser mais cautelosos para prevenir as lesões. “O objetivo ao aplicar o questionário é descobrir quais atletas estão mais suscetíveis a lesões, podendo evitá-las”, explica.

Basquete
Em esportes de maior contato, como o basquete, os atletas tendem a sofrer mais impactos, o que os leva a se acostumar com a dor e ter mais facilidade de enfrentá-la. (foto: Tulane Public Relations/ Flickr – CC BY 2.0)

A principal motivação da psicóloga para lidar com a dor e as lesões de atletas foi o relato dos próprios esportistas com quem ela conversava. “Faço uma pesquisa com ex-atletas olímpicos há 14 anos e o tema dor é quase sempre citado por eles”, diz. “É uma dor física e emocional que espanta, e saber enfrentá-la é essencial para evitar consequências negativas.”

Resultados preliminares

O questionário já foi aplicado em 216 atletas de nível olímpico de diferentes modalidades: atletismo, basquete, futebol, handebol, rugby, tênis de mesa, voleibol, entre outras. Segundo Rubio, embora nenhum perfil de atleta tenha se destacado nas modalidades, foi possível perceber que cada esporte tem características próprias que afetam a percepção da dor.

Cada esporte tem características próprias que afetam a percepção da dor

Existem diferenças, por exemplo, entre esportes de maior e menor contato entre os atletas. “Quem pratica modalidades que requerem maior contato tende a sofrer mais impactos e a se acostumar com a dor, apresentando mais facilidade de enfrentá-la”, pontua.

A pesquisadora acredita que, com mais alguns testes, chegará a um modelo final eficiente de questionário. “Para saber se a avaliação será efetiva, precisamos de pelo menos dois anos de prática, mas estou confiante em obter bons resultados”, afirma.

Lucas Lucariny
Ciência Hoje On-line