Pedras falantes

Ao visitar um sítio arqueológico, muita gente logo tenta imaginar como seria aquele lugar quando habitado pelos homens do passado, como era usado, que cara tinha. Poucos se lembram de perguntar também como os sons reverberavam ali. Pesquisadores da Universidade de Salford (Reino Unido) não esqueceram esse detalhe ao estudar Stonehenge, misterioso círculo de pedras britânico construído pelos druidas há cinco mil anos. Depois de oito anos de estudos, eles descobriram que o som dentro do monumento se propagava de forma muito peculiar, do mesmo modo que em um ambiente fechado.

Hoje restam apenas algumas pedras da estrutura original de Stonehenge, de modo que não é possível usar o próprio monumento para analisar como era a sua acústica quando estava completo. Mas arqueólogos vêm estudando a construção há anos e sabem como ele era quando estava inteiro: um círculo de pedras de cerca de 100 metros de diâmetro preenchido por um círculo menor de 33 metros de diâmetro, ambos formados por diferentes tipos de rochas de até 5 metros de altura.

Para descobrir como o som se propagava dentro de Stonehenge, os pesquisadores recorreram a uma réplica em tamanho real construída em Maryhill (EUA) em homenagem aos soldados da Primeira Guerra Mundial. Apesar de ser de concreto e não de pedras reais, a cópia segue a escala e estrutura originais do monumento britânico. Lá, os pesquisadores fizeram uma série de medições acústicas em que emitiam um sinal sonoro e o gravavam para verificar como se dava a sua propagação pelo espaço.

Stonehenge réplica
Os pesquisadores usaram como base para o estudo uma réplica de Stonehenge construída nos Estados Unidos. (foto: Maryhill Museum)

“Além de não estar completo, Stonehenge real é cheio de restrições: não podemos fazer instalações elétricas para ligar os nossos microfones e gravadores lá, nem usar pistolas de som que normalmente disparamos em testes acústicos”, conta o engenheiro acústico português Bruno Fazenda, que esteve esta semana no Brasil para divulgar o estudo. “Não sabemos por que os americanos quiseram fazer um Stonehenge em homenagem aos soldados, mas quando soubemos que ele existia, demos pulos de alegria!”

Os testes acústicos revelaram que, dentro do círculo de pedras, o som se comporta do mesmo modo que em um ambiente fechado e abafado, como uma sala de aula. O posicionamento das pedras faz com que as ondas sonoras batam nas superfícies da construção e sigam se refletindo e se espalhando pelo seu interior de modo uniforme.

Veja como o som se espalhava dentro de Stonehenge

Diferentemente do eco, que é o som criado por uma única reflexão da onda sonora, o fenômeno observado pelos pesquisadores é chamado de reverberação e produz um som que se mantém por uma sucessão de reflexões que ocorrem em tempos diferentes. Na réplica de Stonehenge e, por associação, na construção original, a reverberação durava por 0,7 segundo depois da emissão do som.

“Não é muito se comparado com a reverberação encontrada em catedrais desenhadas para gerar esse efeito, onde o som pode se manter por até 10 segundos, mas é um efeito suficientemente forte para ser percebido pelo ouvido humano”, comenta Fazenda. “É um efeito acústico dramático ao qual o homem do passado não poderia ter ficado alheio.”

Segundo o pesquisador, na época em que Stonehenge foi construído, as casas eram rústicas e não proporcionavam reverberação. “Esse efeito sonoro deveria ser com certeza algo que se destacava, pois não podia ser experimentado tão facilmente como acontece hoje”, explica.

Fazenda:“Uma pessoa podia ficar escondida atrás de uma das pedras, falar alguma coisa e a sua voz iria ser ouvida de qualquer lugar por outra pessoa”

Por causa da reverberação, o som dentro de Stonehenge se difundia por todo o espaço ocupado pelo monumento. Isso quer dizer que era possível ouvir claramente um sinal sonoro emitido dentro da estrutura independentemente do lugar em que o ouvinte estivesse.

“Não encontramos um ponto específico em que se pudesse ouvir melhor, o som era audível de qualquer lugar, do centro ou da periferia”, diz Fazenda. “O interessante disso é que uma pessoa podia ficar escondida atrás de uma das pedras, falar alguma coisa e a sua voz iria ser ouvida de qualquer lugar por outra pessoa, mesmo que visualmente elas não se percebessem. Meus amigos antropólogos comentam que talvez os druidas usassem isso para que outros homens pensassem que a pedra estava falando.”

Confira abaixo como o som podia ser ouvido claramente de qualquer ponto

Antes de saber da réplica, Fazenda e colegas haviam feito algumas medições no Stonehenge original. Chegaram a levar músicos para lá para tocar instrumentos que eram utilizados pelos druidas, como flautas rústicas feitas com osso de ganso. Os antropólogos que participaram do estudo acreditavam que Stonehenge poderia ter sido uma espécie de anfiteatro onde os povos antigos faziam apresentações de música e rituais.

Mas essa ideia não pôde ser confirmada com o estudo acústico. “Seria maravilhoso pensar que eles construíram esse espaço para fazer umas raves”, brinca o engenheiro acústico. “Mas a verdade é que não temos como saber o que eles faziam lá.”

Fazenda também ressalta que, em vez de procurar por uma intencionalidade acústica no círculo, sua pesquisa pode ajudar a entender melhor como era a relação do homem antigo com o espaço e o som. “Não podemos afirmar que eles tinham a intenção de criar reverberação ao construir Stonehenge”, destaca. “Certamente eles perceberam que aquela arrumação das pedras gerava um efeito, mas eles não eram engenheiros e não tinham como fazer isso de propósito.”

Escute como devia soar uma cantoria dentro de Stonehenge


Compare o som de palmas em um ambiente aberto (primeiro arquivo) e no Stonehenge original (segundo arquivo)

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line