Pequeno e voraz

O sequenciamento do genoma de uma das pragas mais comuns e resistentes do mundo pode ajudar a desenvolver técnicas mais sustentáveis e eficientes para proteger plantações. Trata-se do minúsculo, mas devastador, ácaro-aranha de duas manchas, Tetranychus urticae.

Uma colaboração internacional de 55 cientistas das américas do Norte e do Sul e da Europa publicou recentemente na Nature o sequenciamento genético do ácaro. Com apenas 90 milhões de pares de bases de DNA, pouco se comparado aos 3 bilhões de alguns insetos e aranhas, revelou-se o artrópode com o menor número de genes já identificado até hoje.

Apesar de pequeno, cerca de 1 mm, o ácaro tem apetite voraz. Se alimenta de mais de mil espécies de plantas, entre hortaliças e plantas ornamentais, inclusive das venenosas. No Brasil, é um problema comum em plantações de tomate, soja e milho. Além de um cardápio variado, o animal tem alta resistência a pesticidas, o que o torna uma praga de difícil combate.

No Brasil, o ácaro é um problema comum em plantações de tomate, soja e milho

Ao analisar o genoma do ácaro, os pesquisadores conseguiram identificar genes produtores de proteínas que desintoxicam diversas substâncias venenosas de plantas e pesticidas, o que explica a resistência do animal aos agrotóxicos e sua capacidade de comer variados tipos de vegetais.

“Imaginamos que se esses ácaros se alimentam de tantas espécies e são tão resistentes a pesticidas, deveriam ter vários genes envolvidos na quebra de toxinas; e foi isso mesmo que verificamos, o número de genes desintoxicantes neles é cerca de três vezes maior do que o visto em outros artrópodes”, diz o biólogo Yves Van de Peer, da Universidade Ghent, na Bélgica, e autor principal do estudo.

O estudo do DNA revelou também que os ácaros apresentam sequências genéticas semelhantes a de alguns fungos e bactérias resistentes a certas toxinas. Os pesquisadores acreditam que eles tenham herdado esses genes de organismos que ingeriram, um processo muito raro entre seres multicelulares.

Folhas afetadas pelo ácaro
O ácaro-aranha de duas manchas cobre as folhas das plantas de teias e suga a sua seiva, o que provoca o aparecimento de manchas amarelas e a desfolhação, que podem levar o vegetal à morte. (foto: Richard Clark/ Universidade de Utah)

Depois de analisar a sequência genética do T. urticae, os pesquisadores ainda fizeram séries de testes em que transferiam grupos desses ácaros que viviam e se alimentavam de feijões para outras plantas como tomate e agrião. A intenção era observar os compostos químicos que seriam ativados no organismo dos animais com a troca.

Como esperado, os ácaros acostumados com o feijão ativaram novos genes, que, por sua vez, fabricaram outros compostos químicos para tolerar as substâncias presentes nas novas plantas e também os pesticidas mais usados nessas culturas.

Segredo revelado

Segundo Peer, experiências como essa podem revelar novas estratégias de combate ao ácaro-aranha de duas manchas. Com as informações sobre o funcionamento do organismo do animal, é possível desenvolver pesticidas específicos para a praga e até criar plantas mais resistentes.

ácaro-aranha de duas manchas
O minúsculo ácaro-aranha de duas manchas. (foto: Richard Clark/ Universidade de Utah)

“Se pudermos identificar os padrões biológicos que os ácaros usam para se alimentar de plantas, podemos identificar também métodos biológicos e químicos para interromper esses padrões e impedir que eles se alimentem de plantações”, explica o biólogo.

Além da aplicação na agricultura, o estudo do T. urticae pode trazer benefícios para setores totalmente diferentes, como a aeronáutica e a medicina. Isso porque a teia do aracnídeo é tão resistente quando a da aranha, mas 400 vezes mais fina.

Peer sugere que a teia pode ser usada para criar novos materiais para a indústria e bandagens e suturas cirúrgicas biodegradáveis. “É muito fácil colher a teia do ácaro-aranha de duas manchas, pois podemos fazer criações de milhares de ácaros em poucas plantas”, conclui.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line