Perdidos no espaço

Você sabe o que é galáxia? E buraco negro? Entende como se organiza o universo? Se respondeu sim às três perguntas, considere-se um privilegiado. Um estudo desenvolvido pela física Cristina Leite, aluna de doutorado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), revelou que conceitos básicos de astronomia são pouco compreendidos por professores de ciências da rede pública do ensino fundamental.

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O Sol plano e estrelas representadas com cinco pontas foram elementos recorrentes nos modelos de universo construídos por professores do ensino fundamental

 

A pesquisa de Cristina começou com os alunos. “O objetivo inicial era observar como as crianças pensavam essas noções”, diz a física. A análise das entrevistas constatou que alguns conceitos eram entendidos de forma inadequada. “Buscamos então examinar com os professores como eles trabalhavam duas questões básicas no currículo escolar em sala de aula: o movimento dos astros e a concepção no espaço tridimensional dos objetos representados em duas dimensões nos livros.”

Um teste foi realizado com 17 professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo, que ministram aulas sobre o assunto há no mínimo dez anos sem nenhum curso específico na área — a maior parte é formada em biologia. Os participantes foram conduzidos a uma sala com vários barbantes móveis pendurados no teto e uma estante cheia de diversos objetos semelhantes a elementos astronômicos. “Pedimos a eles que construíssem o universo com aquele material”, explica Cristina. Durante a composição, entrevistas eram feitas e resultados apreendidos.

A pesquisadora comenta que a maioria dos professores concebe o universo em camadas ou em fileira, da mesma forma como os livros didáticos representam o Sistema Solar. Em geral, os modelos construídos pelos professores continham o Sol, estrelas, planetas e luas. O Sistema Solar constituía parte considerável do todo e, em alguns casos, o próprio universo. Os astros citados estariam no céu ou num universo que, para muitos, se restringe ao espaço acima da Terra.

Para 76% dos entrevistados, o Sol é plano como desenhado nos livros. “Alguns têm a mesma noção em relação à Terra”, comenta a doutoranda. “Mesmo conhecendo o modelo teórico que diz que nosso planeta é esférico, eles não conseguiam explicar como isso é possível.” Como justificativa, alguns alegavam que a Terra é realmente plana; para outros, vivemos em um plano dentro de uma esfera; para certos professores, a Terra é esférica, porém com um exagerado achatamento nos pólos.

Na explicação de fenômenos como dia e noite ou fases da Lua, foi observada grande dificuldade na articulação das respostas. Cristina aponta que, em relação às estações do ano, por exemplo, alguns repetiram uma idéia bastante criticada nos livros didáticos: o verão ocorre quando a Terra está perto do Sol e o inverno na situação oposta. “Se perguntássemos então sobre a primavera e o outono, eles não sabiam como responder”, afirma.

A pesquisa avaliou também a apreensão de conceitos freqüentes na mídia. “Alguns nunca ouviram falar de buraco negro e, se questionados, perguntavam se nos referíamos ao buraco na camada de ozônio”, comenta Cristina. “Um professor me disse que uma estrela cadente é uma estrela que morre e cai, riscando o céu.”

A pesquisadora atribui esses resultados à falta de apoio e investimento na formação dos professores. “Eles querem aprender, mas não possuem fontes adequadas que esclareçam suas dúvidas”, diz. “O ideal seria colocar pelo menos uma disciplina de astronomia nos cursos que formam os professores de ciências.” Cristina acrescenta que um curso foi dado aos participantes do estudo para ajudá-los na compreensão dos conceitos abordados.

 

 

Interessados em entrar em contato com Cristina Leite devem escrever para [email protected]

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
18/10/04