Perfumados, mas perigosos

Aromáticos e relaxantes, os óleos essenciais são popularmente usados para tratar diversas condições de saúde e têm aplicação ampla na indústria de cosméticos e de alimentos. Porém, cada óleo vegetal pode conter centenas de substâncias ativas com efeitos danosos e ainda pouco conhecidos pela ciência. É o caso da pulegona, molécula encontrada na menta, no poejo e na erva-de-gato. Pesquisas preliminares feitas com o composto natural revelaram que ele pode levar à parada cardíaca.

Testes realizados in vitro com células do músculo cardíaco no Laboratório de Membranas Excitáveis e de Biologia Cardiovascular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentados durante a 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), em Caxambu (MG), mostram que a pulegona bloqueia o chamado canal de cálcio da membrana celular. Esse canal é formado por aberturas na região externa da célula que permitem a entrada de cálcio, mineral fundamental para que as células do coração se contraiam e o órgão mantenha seus batimentos, bombeando sangue para o corpo todo.

A pulegona é apenas um dos compostos presentes em óleos essenciais com efeito potencialmente negativo e o próprio óleo de menta pode conter outras moléculas ainda mais tóxicas

A quantidade de pulegona aplicada às células na experiência foi maior do que a que costuma ser usada para fins nutritivos ou terapêuticos. Porém, o bioquímico responsável pelo estudo, Jader dos Santos Cruz, explica que a substância, principalmente quando aplicada na pele, se acumula no organismo e pode causar danos à saúde em longo prazo. “A toxicidade é baixa, mas, se a pessoa se expuser com frequência, como se trata de uma molécula solúvel em gordura, ela se acumula no tecido adiposo e, ao ser liberada na corrente sanguínea, gera efeitos deletérios”, adverte.

O cientista ressalta que a pulegona é apenas um dos compostos presentes em óleos essenciais com efeito potencialmente negativo e que o próprio óleo de menta pode conter outras moléculas ainda mais tóxicas. “Já observamos em laboratório que boa parte das moléculas dos óleos provoca morte celular em concentrações altas”, pondera. “Temos a tendência de querer vender os óleos como possíveis medicamentos, mas não se desenvolve um fitoterápico da noite para dia, demora anos. Não sabemos ao certo que efeitos essas moléculas têm, por isso é preciso cautela.”

Menta
A pulegona, uma das substâncias encontradas no óleo de menta, quando aplicada na pele, se acumula no organismo e pode causar danos à saúde em longo prazo. (foto: Flores y Plantas/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

O Brasil é hoje um dos principais produtores de óleos essenciais do mundo, um mercado que movimenta anualmente 15 milhões de dólares.

Apesar dos resultados preocupantes da pesquisa, o médico e pesquisador das propriedades dos óleos essenciais José Henrique Leal-Cardoso, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), lembra que uma mesma molécula que se mostre danosa sob certa aplicação pode apresentar efeitos benéficos se usada de outra maneira. “O óleo de menta é tomado popularmente para tratar giardíase e tem mostrado efeito positivo”, comenta. “Em determinado nível celular a substância pode ter um efeito negativo, mas precisamos conhecer o seu efeito no organismo como um todo.”

Dois lados da moeda

A pesquisa dos compostos dos óleos essenciais ainda é muito preliminar no Brasil, mas algumas substâncias vêm chamando a atenção dos pesquisadores por sua ação positiva. O biofísico Francisco Walber Ferreira da Silva, que também estuda o produto na Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que a maioria dos óleos vegetais tem potencial como anestésico local.

A maioria dos óleos vegetais tem potencial como anestésico local

Na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), o farmacologista Antonio Nei Santana Gondim pesquisa a efetividade dos óleos, dessa vez para fazer bem ao coração e combater a arritmia cardíaca. Em laboratório, o cientista verificou que o geraniol – encontrado nos óleos de rosas, palmarosa e citronela – atrasa em até 10 minutos a aparição da arritmia quando aplicado em células do coração submetidas a uma droga (ouabaína) que induz esse distúrbio.

“Temos muito caminho para seguir até afirmar que o geraniol pode ser útil como antiarrítmico, mas existe uma chance de que a molécula possa futuramente servir para esse fim”, pondera o pesquisador. “Tudo ainda é muito inicial na pesquisa dos óleos, precisamos de mais testes farmacológicos e de estrutura das moléculas antes de qualquer uso terapêutico.”

Sofia Moutinho (*)
Ciência Hoje On-line

* A jornalista viajou para Caxambu a convite da Fesbe.